Little Annie “Songs From The Coal Mine Canary”
Mulher de muitas linguagens, com obra que, além da música, passou já pelo teatro, a pintura, os livros, o cinema, a dança, Little Annie gosta de não se repetir. O seu novo álbum, o sétimo que edita em nome próprio, mantém todavia firme uma ligação a ambientes de afinidades jazzísticas, escola nova-ioquina, ensaiadas em anterior colaboração com Larry Tee e Joseph Budenholzer. Songs From The Coal Mine Canary usa um ensemble de jazz, arranjos sofisticados em regime de placidez capaz de suportar e nunca abafar uma cada vez mais nítida voz e as suas poderosas palavras. Determinantes, como sempre, os colaboradores conferem no fim o som definitivo ao disco, cabendo a Antony Hegarthy (Antony And The Johnsons) e, novamente, Joseph Budenholzer (Blackworld) a arte final de um álbum espantosamente sedutor. A presença de Antony é perticuralmente visível em canções como Absythtee-ism ou If I Were A Man, a sua linguagem nítida no piano (que o próprio toca), nas linhas vocais, numa melancolia de travo soul cruzada com luminosidade decadente de torch song, sublinhando dois dos mais belos momentos de um álbum que conquista a cada audição. Na face oposta deste pólo feito de sonhos e fantasias moram outras canções mais negras, pés assentes sobre o chão de caves onde um jazz sombrio que não convida à libertação, antes a uma dor que corrói a alma. Sobre uma personalidade vocal comum (que revela histórias de longas noites de álcool e fumo), palavras num tempo de desolação e desespero, mas de luta e nunca derrota, e uma cenografia dominada pelo piano, discretos metais, contrabaixo e percussão quase em surdina, Songs From The Coal Mine Canary é um espantoso ciclo de canções, um retrato de um tempo em que vivemos, ora feito de enumerações (como dos filósofos e verdades físicas dos nossos dias que abre o disco), de aforismos, de relatos pessoais. A quase nudez de uma voz claramente destacada dos fundos instrumentais sublinha a fragilidade, o jazz e o piano de alma soul conferindo-lhe depois o conforto possível.
Bob Dylan “Modern Times”
Cada vez mais parece que Time Out Of Mind (1997) ou Love And Theft (2001), sucessivamente apontados como momentos de reinvenção e de reafirmação superlativa de todas as qualidades de Bob Dylan, não são já uma espécie de testamento em jeito de famous last words… Pelo contrário, e definitivamente ultrapassados equívocos e desnortes que o assombraram nos anos 80 e primeira metade de 90, Dylan reencontrou-se em si mesmo, no seu passado e nas referências que dele fizeram quem sempre foi. Está activo, de saúde, e recomenda-se… De voz mais tranquila (as características nasaladas menos marcantes), Dylan sublinha neste seu novo álbum a vontade de continuar a expressar tanto histórias de um mundo interior como visões pessoais sobre uma América que comenta, um mundo em confronto entre heranças e um destino. Folk e blues presentes, assim como pontuais incursões por memórias históricas das primeiras linguísticas rock’n’roll. Nem nostalgia nem ruptura, apenas a afirmação de um tronco de figuras de estilo, marcas de identidade, rotas pessoais, projectadas num presente que acredita num futuro que pode não ser tão luminoso quanto se deseja. Os tempos modernos de Dylan não se fazem com samples ou mashes… São a consciência somada de anos de vida sobre um tempo que passou, voz ainda bem capaz de ser uma das suas principais comentadoras, verdade que a mega-campanha de promoção tratará de assegurar, sucesso garantido porque, como ponto de partida tem entre mãos o melhor álbum de Dylan em mais de 25 anos.
Fujya & Miyagi “Transparent Things”
São um trio de Brighton (Steve Lewis, David Best e Matthew Haineby), com nome roubado a um fabricante de gira-discos da terra do sushi e que têm no novo álbum, Transparent Things, um dos mais estimulantes discos de canções feitas com electrónicas que já ouvimos este ano. O álbum, que tem por fãs confessos nomes como os de Tiga, Trvor Jackson, Andrew Weatherall ou a pandilha DFA, cruza a velha sabedoria kraut (os Can voam quais fantasmas por aqui) com o sentido de inteligência rítmica de uns Talking Heads (fase Brian Eno), a luminosidade pop de uns Notwist e a insatisfação visível de quem não se molda a formatos conquistados ou definitivos, desejo evidente em experimentar. Pop electrónica?... Porque não?... De requinte gourmet, e para satisfazer almas ávidas de música diferente, mas de digestão agradável. O Post Industrial Boys deste ano…
I’m From Barcelona “I’m From Barcelona”
Um dos grandes discos de canções deste Verão corre, pela falta de visível investimento promocional de quem o edita, o risco de ser mimo para ouvidos poucos. Eles são muitos (quase 30 músicos!), e não de Barcelona. Na verdade são suecos, a cidade catalã usada como idílio de luz, vida e optimismo que a sua música busca. Bálsamo em tempo de tão cinzentas nuvens nos cenários que se colocam pela nossa frente, cruzam o sentido pop pastoral de uns Belle & Sebastian com o sentido de comunidade e festa de uns Polyphonic Spree. O disco leva-nos para cenários de virtual acampamento solarengo, clima hippie, postura verde. O álbum é saborosa pop de viço clássico. E em Collection Of Stamps mora uma das grandes canções do ano.
Também esta semana: The Rapture, Future Sound Of London (best of), The Art Of Noise (caixa), Pulp (3 reedições), Lambchop, Forward Russia!
Brevemente:
11 de Setembro: I’m Your Man (banda Sonora de documentário sobre Leonard Cohen), Amy Millan, Metric, R.E.M. (best of da primeira fase), Echo & The Bunnymen (best of), Baumer (reedição), Arthur Russell (reedição), The Hidden Cameras, The Veils, Alex Kid
18 de Setembro: Scissor Sisters, Junior Boys, U2 (DVD), Electronic (best of), Camera Obscura, Black Keys, The Album Leaf
25 de Setembro: Guillemots (edição nacional), Loto, Fourt Tet, Pixies (dois DVDs), Depeche Mode (3 reedições)
Outubro: U-Clic, Maximilian Hecker, Kasabian (edição nacional), The Killers, Beck, Sérgio Godinho, The Gift (ao vivo CD e DVD), Protocol, Goldfrapp (remisturas), Pet Shop Boys (CD ao vivo e DVD), Philip Glass (ópera), Duran Duran (2 reedições), Robbie Williams, Clinic, Chuck E Weiss, Jay Jay Johansson, Isobel Campbell, Datsuns
Novembro: Humanos (ao vivo), Mariza (ao vivo), Tom Waits, Moby (best of), Jarvis Cocker, Franz Ferdinand, Sons & Daughters, Bryan Ferry, The KBC, Third Eye Foundation
Estas datas provém de planos de lançamento de diversas editoras e podem ser alteradas a qualquer momento
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