quarta-feira, setembro 13, 2006

11 de Setembro (com filtro)

Há muito que uma série televisiva não gerava tanta polémica antes mesmo de transmitida. E mais ainda depois de o ser, apesar das audiências não terem demonstrado que uma discussão acesa atiça curiosidades. Pelo contrário, a série não conseguiu mais que 13 milhões de espectadores nos EUA, batida de longe pelos 20 mil que viram o jogo de futebol transmitido na mesma noite… Afinal não é só por cá…
Mas de que se fala? Fala-se de The Path To 9/11, mini-série em apenas dois longos episódios, realizada por David L. Cunningham (em cujo elenco se destaca apenas a figura de Harvey Keitel), que entre nós teve direito (ou castigo?) de transmissão pela SIC, esta semana, em horário nunca antes das quase duas da manhã… A série reconstitui os acontecimentos do 11 de Setembro de 2001, contextualizando-o num quadro de eventos que remonta, visivelmente, ao anterior atentado ao World Trade Center em 1993. Aqui se fala da Al-Qaeda e da sua génese, do seu mentor, campos de treino no Afeganistão e células espalhadas no mundo, ao mesmo tempo que assistimos a outros atentados históricos e acções de resposta americana, entre operações secretas e jogadas diplomáticas. Na construção narrativa e visualmente, a série é mais um caso de notável aproveitamento das novas linguagens televisivas, ao nível portanto do que de melhor a HBO nos tem apresentado nos últimos anos. Assenta sobre um retrato da (alegada) realidade, mas consegue afastar-se do tom “docu-drama” que tem ocupado, até aqui, a totalidade das produções televisivas (não documentais) sobre o 11 de Setembro. Mas, e quem protestou antes de tempo tinha razão, The Path To 9/11 tem ares de máquina de propaganda destinada a fomentar a admiração do americano médio pela “resoluta” administração actual, por oposição ao aparente desnorte e placidez da anterior. Ou seja, faz dos impasses e negociações diplomáticas uma aparente (e errada) situação de tolerância Clinton perante a Al-Qaeda. E, num momento decisivo, enquanto se espera pelo somatório de “ok” para avançar entre CIA militares e presidência, mostram-se imagens, reais, de um dos discursos em que Clinton nega qualquer história Lewinsky… Pouco depois, outro discurso Lewinsky, novamente pelo Clinton real… Como que a mostrar que as prioridades estivessem noutras guerras… E por aí adiante…
O ex-gabinete de Margaret Albright foi o primeiro a reagir, mesmo antes da transmissão (e, diz-se, houve alterações de última hora na narrativa, possivelmente na montagem ou desmontagem de uma ou outra cena). Depois foi Richard Clarke, o chefe da brigada anti-terrorismo de Clinton e, mais tarde, manager de crise para Bush, que a apontou como “distorção” da realidade e que não faz jus às acções de ambas as administrações, antes pelo contrário. Agora é a Clinton Foundation, que aponta que a série optou pela ficção em detrimento da realidade, pelo entretenimento no lugar da pedagogia…
Ou seja, pela primeira vez, terá agido bem um canal português ao lançar semelhante propaganda de luxo para altas horas da madrugada? Ou calhou? Mesmo assim, não valia a pena ter-se mostrado a coisa a horas decentes, com debate como sobremesa, à boa antiga?

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