sábado, agosto 12, 2006

SuperRTP

* Noite de sexta-feira, dia 11 de Agos-to: a RTP1 programa Superman (1978), de Richard Donner, com Christopher Reeve. Tendo em conta que a programação da RTP1 se distingue por uma quase permanente indiferença pela actualidade cinematográfica — incluindo a actualidade do cinema português —, pelo menos esta é uma ocorrência que faz a diferença: há dias estreou nas salas portuguesas o novo Super-Homem: O Regresso, de Bryan Singer, e programar o mais antigo Superman é, no mínimo, uma maneira de sugerir algum enquadramento da idade moderna dos comics no cinema americano.
* Ora, a anteceder a passagem de Superman, que faz a RTP1? Programa o making of do novo Super-Homem: O Regresso. Tendo em conta que a programação da RTP1 se distingue por um permanente, soberano e militante alheamento da esmagadora maioria dos mais de 300 filmes que, por ano, estreiam nas salas portuguesas — incluindo quase todos os filmes portugueses —, desta vez constatamos que a televisão pública (?) decide promover um dos produtos de ponta da poderosíssima indústria americana.
* E faço questão que não se retire destas palavras aquilo que elas não dizem. Ou seja: não é Super-Homem: O Regresso que está em causa — o filme (que me parece um exercício simpático, mas menor) poderia ser uma gloriosa obra-prima, que a questão não se alterava. Muito menos se tenta sugerir que um qualquer blockbuster é necessariamente um filme "suspeito" — a história moderna de Hollywood é, tal como a sua história clássica, uma paisagem de imensos contrastes e podemos encontrar filmes fascinantes em todas as áreas, incluindo entre os blockbusters.
* Trata-se, isso sim, de perguntar como e porquê a (ausência de uma) política de abordagem do cinema pela RTP1 acaba por redundar nesta lei do menor esforço? Na prática, confere-se um lugar de destaque a um produto que é dos mais promovidos do ano, remetendo ao silêncio centenas e centenas de filmes que estreiam no mercado português — incluindo muitos de origem portuguesa.
* A RTP1 vai ao ponto de fazer isto na mais cândida ignorância do contexto em que o cinema, económica e culturalmente, vai acontecendo. Assim, no respectivo site, anuncia-se a passagem do making of com estas palavras: "Os bastidores do filme, considerado já um êxito, chegará até si através da RTP." Mesmo sem discutirmos as qualidades gramaticais de tão gloriosa frase, será que ninguém tentou avaliar até que ponto estas palavras — "considerado já um êxito" — correspondem a algo de minimamente consistente? Será que ninguém reparou que as receitas nas salas dos EUA de pouco mais de 190 milhões de dólares (337 no mercado global) significam um quase falhanço para uma produção na qual se dispenderam 260 milhões de dólares? Será que ninguém sabe que já há vários anos (para não dizer décadas) alguns dos mais respeitados analistas do cinema americano discutem, precisamente a propósito de filmes como este de Bryan Singer, os desequilíbrios gerados pela delirante inflação dos orçamentos? Será que ninguém dá atenção ao facto de, em Hollywood, haver mesmo quem considere o novo Super-Homem como um big money looser?
* Daí a pergunta: "Considerado já um êxito" por quem? Se a RTP1 tem uma nova, ousada e consistente leitura da vida económica da grande indústria cinematográfica americana, seria interessante que a partilhasse connosco. E, já agora, valeria a pena esclarecer se é dessa leitura que decorre o privilégio que, ostensivamente, se confere ao making of de um filme como Super-Homem: O Regresso.
* Entretanto, Superman passa em imagens incorrectas: a cópia transmitida é uma (mais uma, entre muitas) que não respeita o formato original — panavision (anamorphic) —, amputando significativamente esse formato em que, recorde-se, a largura da imagem é 2,35 vezes maior que a sua altura. Na prática, e tendo em conta que o ecrã televisivo tem as proporções 1,37:1, isso significa que, em cada fotograma, o espectador não vê cerca de 40 por cento da imagem original.

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