O que se faz em férias? Passeia-se a pé (muito), de iPod nas orelhas a debitar tudo menos os discos do momento (Satie, Schubert, Glass, Debussy, para zonas tranquilas, Sonic Youth ou Neutral Milk Hotel para espevitar). E lê-se (muito). Das leituras de férias destaco, para já, quatro títulos (todos eles lançados este ano entre nós, excepção para Paul Auster):
Haruki Murakami “Kafka À Beira Mar” O livro do ano (até ler melhor…). Duas histórias distintas convergem para um lugar e algo em comum… Numa temos por protagonista um jovem de 15 anos que foge de casa e de um pai escultor sempre ausente (a mãe há muito desaparecida e sem deixar rasto nem rosto). Na outra, um homem de 70 anos que, vítima de um bizarro incidente nos dias da guerra, perdeu a capacidade de ler e fixar memórias complexas; em contrapartida ganhou a capacidade de falar com… gatos. O jovem e o ancião encaminham-se, cada qual em demanda própria, para uma cidade longe do bairro de Tóquio onde habitualmente residem, em busca de respostas e revelações. A escrita de Murakami é pura delícia. Escorreita, agarra pela facilidade de nos envolver nas imagens. E revela uma imaginação transbordante que nos faz devorar as quase 600 páginas num ápice. Nota para a tradução, de excepção, com frequentes notas que nos familiarizam com expressões, nomes, factos e sabores da cultura japonesa.
John Banville “O Mar” O justificadíssimo Booker do ano passado é um jogo de memórias de uma pequena cidade à beira-mar, onde o passado distante e o mais próximo se cruzam sem que fronteiras sejam necessárias para os demarcar. A construção meticulosa da teia de imagens e figuras evocadas na escrita bela e delicada de John Banville faz de O Mar um prazer de descoberta de personagens e de um lugar onde pouco hoje acontece (acabaremos por descobrir que algo mais em tempos se sucedeu). No tutano do livro corre a demanda de um homem adulto pelo sentido das mortes a que assistiu em jovem, assim como da mais recente perda da sua mulher. As recordações da pequena cidade onde em tempos passou um Verão e a tentativa de reconciliação com a dor que esse passado convoca, na voz interior de um historiador a braços com uma monografia sobre Bonnard, da qual não passou ainda do capítulo de introdução.
Paul Auster “A Noite do Oráculo” Um livro já de 2004 que confirma a capacidade do autor na criação de viciantes histórias com personagens de gente comum na Nova Iorque de hoje. Na verdade três histórias acontecem neste livro. Uma história dentro de uma história dentro de uma outra história… Ou, para simplificar, a história de um escritor que sai de longa hospitalização e que compra um caderno português (uma velha sebenta azul?) no qual ensaia uma tentativa de novela sobre um editor livreiro que decide mudar a vida por impulsos ditados por coincidências e acaba fechado num bunker amador envolto numa colecção de listas lelefónicas… Na sua mala, o editor traz outra história, mais concretamente a de um romance perdido de uma escritora falecida de cujo catálogo é responsável… Lê-se de um trago…
Joe Haldeman “O Velho Século XX” Mais um título deste autor de ficção científica (um dos mais premiados entre a sua geração) publicado pela série Nébula, coloca-nos num futuro não muito distante no qual mais de 90 por cento da humanidade foi vítima de uma guerra levantada na sequência da descoberta de um fármaco que confere a imortalidade, os mais pobres e desfavorecidos entretanto revoltados contra ricos e poderosos, os únicos com acesso à pílula da vida eterna. Nesse futuro a população da Terra não pode exceder nunca o bilião, pelo que qualquer nascimento só é permitido após eventual morte (apenas possível por acidente grave). O Sistema Solar está explorado, parte dele povoado, quando uma observação regista um mundo com condições semelhantes às da Terra. Uma missão, cuja viagem durará mil anos, parte em cinco naves, com um total de 800 passageiros, imortais, rumo ao desconhecido. A bordo há espaço para todas as tarefas e momentos de entretenimento, o mais popular e requisitado dos quais uma máquina de realidade virtual que induz, com impressionante poder de sugestão sensorial, viagens a anos do século XX. Um prazer disputado, com marcações a meses de distância, que se transforma num debate aceso quando alguns dos seus utilizadores começam a morrer…
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