sábado, agosto 05, 2006

Arthur Lee (1945-2006)

Em finais de 60, ácidos e mais químicos ilícitos a servir de catalisadores de outros estados de percepção (e visão), a música ganhou cor e mudou. Ao movimento, com ideólogos em Aldous Huxley e Timothy Leary, chamou-se psicadelismo, assinalando-se pólos de acção em Londres e na Califórnia. Com o oceano Pacífico de um lado e o deserto de outro, o psicadelismo californiano revelou nomes de popularidade maior como os Grateful Dead, Doors ou Jefferson Airplane. Mas nenhum atingiu nunca a filigrana de ideias, estímulos e formas que os Love registaram no sublime Forever Changes, mítico álbum de 1967 que hoje é reconhecido como uma das obras-primas da música popular. Arthur Lee foi o mentor, voz e face dos Love, banda que entre 1966 e 67 registou três álbuns nos quais cruzava identidades folk com visões garridas, libertas, portais para novas sensações que, como poucas, cristalizam a essência do seu tempo. Diagnosticado com uma leucemia há poucos meses, Arthur Lee morreu esta quinta-feira, com 61 anos, num hospital em Memphis no qual tinha sido alvo, há pouco tempo, de um transplante de medula.
Arthur Lee auto-intitulava-se “o primeiro hippie negro” e viveu errática existência musical, redenção encontrada nestes seus cinco últimos anos de vida quando, depois de cumprida uma pena de prisão, juntou uma nova versão dos Love e partiu para a estrada para concertos nos quais tocou, na íntegra, o seu “clássico” Forever Changes.

A nova banda correu mundo, convidada a comparecer na edição de 2004 do Festival Sudoeste onde, contudo, tocou sem a presença de Arthur Lee, alegadamente tendo perdido o avião que o deveria ter trazido a Portugal.Dado o declínio gradual da saúde física e mental de Arthur Lee, os restantes elementos da banda acabaram por despedi-lo do colectivo por si criado, em Outubro de 2005. Os problemas, que o manager (que entretanto também abandonou os Love) reconheceu terem começado com a falta ao concerto no Sudoeste, agravaram-se mais ainda quando o grupo se juntou para gravar novos temas em estúdio. Depois do despedimento Lee tinha já reunido nova banda e começado a gravar originais, quando o diagnóstico de leucemia o levou para o hospital pela primeira vez, já este ano.
Em menos de um mês, desapareceram os dois maiores e mais talentosos visionários de uma das gerações que, como poucas, marcou pelo arrrojo e diferença a história da música popular. Um há muito retirado (Syd Barrett). O outro ainda com desejo em concretizar novas ideias. Um, o diamante louco que levou cor e novas formas a Londres. O outro, o mais encantador profeta quimicamente alterado que da música com cheiro a Terra fez surgir novas imagens para novas formas de percepção.
PS. Versão longa de texto hoje publicado no DN