O disco chama-se I Let the Music Speak (Deutsche Grammophon) e chegará às lojas durante o mês de Agosto. À sua maneira, este é um título que envolve uma ironia que se confunde com a mais contida elegância. Porquê? Porque aquilo de que se trata, aqui, é mostrar que a música se intensifica através do carácter sublime do canto. O título possui também algo de programático: deixar a música falar consiste, de facto, em expor o ouvinte às enigmáticas e envolventes nuances da voz humana. Esse exercício tem um nome, quer dizer, uma voz. Ou ainda, uma alma: Anne Sofie von Otter.
A mezzo-soprano sueca volta a mostrar como é — e porque é —, não apenas uma das mais extraordinárias intérpretes contemporâneas, mas também uma personalidade criativa para quem o fulgor da contaminação estética não é apenas uma hipótese teórica da arte contemporânea, mas um verdadeiro campo de trabalho onde é possível redescobrir e refazer os modelos, clássicos e modernos, da própria beleza das formas.
A mezzo-soprano sueca volta a mostrar como é — e porque é —, não apenas uma das mais extraordinárias intérpretes contemporâneas, mas também uma personalidade criativa para quem o fulgor da contaminação estética não é apenas uma hipótese teórica da arte contemporânea, mas um verdadeiro campo de trabalho onde é possível redescobrir e refazer os modelos, clássicos e modernos, da própria beleza das formas.
Assim, quatro anos passados sobre o álbum For the Stars (também do catálogo da DG), co-assinado com Elvis Costello, von Otter regressa com outro exemplo de envolvimento de uma voz, enraízada no universo lírico, com as características aparentemente mais ligeiras das canções pop. Desta vez, por assim dizer para que tudo se passasse em casa (leia-se: na Suécia), von Otter vai buscar as composições de Benny Andersson e, em particular, as que ele assinou, com Björn Ulvaeus, para os Abba. Digamos, para simplificar, que a história do quarteto sueco não fica completa sem ouvirmos, pelo menos, a emoção contida que von Otter coloca no tema-título, I Let the Music Speak, retirado do álbum The Visitors (1981), ou ainda o ambíguo intimismo com que inunda The Winner Takes It All, de Super Trouper (1980) — recorde-se que, com Costello, von Otter gravara já Like an Angel Passing Through My Room, outro tema de The Visitors. O álbum apresenta doze temas (11 + o "escondido" Money, Money, Money), incluindo alguns provenientes de musicais a que está ligado o nome de Benny Andersson (por exemplo, Ut Mot Ett Hav, do musical Kristina).
Em tempos de "democratização" do canto lírico, o génio criativo de Anne Sofie von Otter reduz experiências como Il Divo à sua verdadeira dimensão de vulgarizações — no sentido literal: reduzem a complexidade das referências que convocam a uma dimensão vulgar e, por isso mesmo, artisticamente impostora. Ao mesmo tempo, com a sereníssima emoção e a discreta versatilidade da sua voz, von Otter propõe, com I Let the Music Speak, um disco genuinamente pop que, com alguma crueldade, mas sem maldade, reduz todas as Nelly Furtado do planeta a esforçadas e pueris aprendizes. Ou como diriam os suecos: c'est la vie!
* Anne Sofie von Otter vai estar em Lisboa para cantar os temas de I Let the Music Speak no concerto de abertura da temporada de música 2006/7 da Fundação Gulbenkian (Grande Auditório, 4 de Outubro, 19h00).
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