sábado, julho 22, 2006

No reino das marionetas

No mundo das marionetas toda a gente é feita de madeira e… fios. Estes são extensões naturais dos seus corpos, elevando-se na vertical até se perderem de vista. Sabe-se que algo os comanda (os manipuladores, naturalmente, dizemos nós), mas para as marionetas aqueles fios são ligações vitais. São condutores de energia que, quando cortados, diminuem capacidades, ou decretam mesmo a sua morte. Esta lógica feita de madeira e fios condiciona a narrativa de O Fio da Vida, espantoso filme do dinamarquês Anders Ronnow Klarlund, uma história de fantasia onde todos são marionetas. O argumento é, contudo, o calcanhar de má madeira de uma ideia de cinema bem interessante. A história que vemos em O Fio da Vida não é mais que uma estafada derivação do eterno duelo entre o bem e o mal, a justiça e a corrupção, a verdade e a mentira, com evidente tempero Shakespeare tipo loja dos 300.
Estamos num reino imaginário, assolado pela guerra há gerações sem conta. Um velho rei tirano, carcomido pelo caruncho do remorso, escolhe a morte voluntária, deixando por herança ao filho o desafio de fazer a paz, testamento que redige numa carta. Ora, o mau da fita, o seu irmão cruel e ambicioso (voz de Derek Jacobi), assiste à cena e, em vez de entregar ao sobrinho a carta de despedida do velho rei, apresenta a sua morte como assassinato pelo rival inimigo de sempre, paz novamente adiada. A sede de vingança ensopa a madeira do jovem herdeiro que sai da cidade em busca do assassino imaginário, mal sabendo que está a entregar o poder nas mãos do tio… Vencerá o mal. Ou haverá, afinal, esperança?...
A história, está visto, é de banalidade de má carpintaria, não sendo portanto pela narrativa que o filme tem conquistado admiradores. A verdadeira força de O Fio da Vida nasce, antes, da forma imaginativa como as características físicas das marionetas são usadas em favor da sua caracterização, da espantosa fotografia e de uma direcção artística digna de louvor. Geram-se assim quadros visuais deslumbrantes, capazes de nos fazer transcender o primarismo estrutural de um conto de fantasia banal, conferindo-lhe verdadeiros temperos góticos.

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