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Com marés de estreias de segunda (e pior) a chegar às nossas salas, o que dizer quando vemos, sucessivamente, algumas boas ideias a seguir directamente para o circuito de DVD? Aconteceu recentemente com o soberbo
Segredos Urbanos (de que aqui daremos notícia brevemente, filme já disponível entre nós em lançamento Lusomundo). Acontece agora, por enquanto ainda sem certeza de edição local, com o magnífico
Dear Wendy, de Thomas Vinterberg (sim, o mesmo de
A Festa e do soberbo teledisco
No Distance Left To Run, dos Blur). Com argumento de Lars Von Trier, e produção da sua equipa na Dinamarca,
Dear Wendy é um
Dogville “em bom”, com sentido de corpo, espaço, vencendo o dispositivo teatral que até parecia interessante nesse filme de Von Trier, mas que acabou em (literal) massacre.
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Tal como em
Dogville estamos numa pequena cidade americana, da qual só conhecemos um largo central, uma mina em laboração e uma mina desactivada (estas naturalmente nas imediações do mesmo largo). Nesse largo moram ou cruzam-se todas as personagens, casas, lojas, locais de passagem, carros. Nesse largo encontramos Dick Dandelion (Jamie Bell), um rapaz tímido, um
looser, cuja vida se cruza com a de outros espíritos desmotivados, gozados pelos colegas, relegados para as zonas de sombra de uma vida citadina onde, na verdade, nunca entra muita luz. Dick e o seu colega de trabalho num mini-mercado descobrem uma paixão mútua por armas de fogo e do seu potencial de aumento de auto-confiança pela simples presença de as ter por perto, no bolso das calças ou bata de trabalho. A eles juntar-se-ão outros
loosers da cidade, todos eles escolhendo a sua arma, estudando-a, aprendendo a conhecer os seus efeitos. Lêem livros, vêem filmes, treinam num campo de tiro privado, tudo isto no espaço subterrâneo de uma mina abandonada. Auto-intitulam-se “dandies” e regem-se por um código de honra que autoriza o porte de arma, mas nunca a sua utilização fora da sede deste clube secreto. Até ao dia em que um acidente que lhes é exterior os coloca em confronto com a comunidade e, ao bom jeito de Von Trier, de uma sucessão de erros de comunicação e mal entendidos, a tragédia acaba por acontecer. Dear Wendy não quer ser um manifesto contra o livre porte de arma. Nem um estudo sobre a timidez patológica que se abate sobre franjas da população juvenil onde não mora a arrogância musculada dos dominantes. É apenas uma fábula (ostensivamente tida enquanto exercício de ficção, o que nos é sugerido pela claustrofobia não realista do espaço em que decorre a acção) na qual a ideia do mal-entendido e a não integração nos hábitos “banais” da sociedade dos “normais” são matéria prima para um filme absolutamente deslumbrante. E necessariamente perturbante. O DVD foi recentemente editado em Espanha, numa edição que infelizmente não nos permite “apagar” do ecrã as legendas de
nuestros hermanos.
P.S. Junte-se ainda ao magnífico filme uma espantosa banda sonora essencialmente centdada em canções dos Zombies. Que mais se poderia pedir?
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