sábado, junho 03, 2006

O espectáculo do ano!

O acontecimento musical do ano em palcos portugueses, até agora é, sem dúvida, a espantosa encenação de Graham Vick para O Ouro do Reno, a primeira das óperas que constituem a tetralogia O Anel do Nibelungo (que o Teatro Nacional São Carlos vai apresentar, ao longo dos próximos anos, até 2008, correspondendo à quinta apresentação completa do ciclo naquele local). De ousadia cénica evidente, sem contudo macular em nada as intenções de Richard Wagner (antes recuperando até o seu inicial propósito de crítica à sociedade capitalista, à vaidade, à cobiça e aos jogos de poder), Vick virou o teatro às avessas para ali projectar O Ouro do Reno. Orquestra à entrada, palco sobre a plateia, plateia (em jeito de anfiteatro) no palco, cantores a irromper ocasionalmente de camarotes (habitados com espectadores), do fundo de cena ou de alçapões com elevadores ou plataformas basculantes, bola de espelhos sobre o lustro que domina a sala, gigantes feitos condutores de empilhadoras, deuses em trajes desportivos, nibelungos vestidos à executivo, laptop nas mãos, míssil nuclear a dominar o final… Trabalho de luz espantoso, movimentação em palco contagiante. Orquestra Sinfónica Portuguesa em forma, dirigida por Emílio Pomàrico. E magníficas vozes, sobretudo a revelação de um espantoso Will Hartman (Loge).
Hoje e amanhã, acentuando o travo “pop” desta saudável ousadia que Paolo Pinamonti assumiu (e venceu), o espectáculo vai ser exibido no exterior do teatro, num ecrã de 20 metros quadrados, plateia já devidamente instalada no Largo São Carlos. Acesso livre, hoje, pelas 18.00, amanhã pelas 20.00 horas. A ocasião popular, a modernidade consequente da encenação e a genialidade da obra de Wagner podem contribuir, assim, para dessacralizar um espectáculo musical que tem vivido arredado das atenções de muitos de nós. São Carlos de parabéns.

O Anel de Nibelungo apresenta quatro quadros que ocuparam a vida artística de Wagner entre 1848 e 1874. Música e libreto são seus. E muitos admiradores de Tolkien reconhecerão aqui onde o escritor “pilhou” algumas das ideias que projectou no seu O Senhor dos Anéis, nomeadamente a noção de um anel que dá poderes, mas que pode amaldiçoar quem o carrega…
Nesta primeira ópera, o anel é forjado por Alberich, que renuncia ao amor e rouba às filhas do Reno o ouro para o fazer. O anel, que confere o poder de domínio do mundo a quem o usar causa a discórdia entre deuses, semi deuses e simples mortais, que, pela cobiça e ambição, se dispõem a tudo para o possuir. Afinal, uma alegoria com projecção possível nos jogos de poder e conflitos do mundo em que vivemos, e que a encenação espantosa de Vick sublinha e actualiza.

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