domingo, junho 18, 2006

I'm From Barcelona

O silêncio de alguns dias por estes lados deveu-se a uma curta deslocação de poucos dias a Barcelona, onde decorreu este fim-de-semana mais uma edição do Sonar, na qual actuaram, de surpresa , os Scissor Sisters e, devidamente anunciados, nomes como os The Knife, Tiga, Herbert, Goldfrapp, Liars, Indafels ou os míticos Chic.
Apesar de ter já visitado Barcelona por várias vezes, e constatado a cada regresso que esta é, de facto, a mais entusiasmante cidade europeia do presente, com vida cultural variada e pujante, de assombrosa arquitectura e vivendo sob todas as consequências positivas do cosmopolitanismo, nunca tinha estado no Sonar. A ideia de um festival de música pensado em volta da “electrónica” e suas periferias e afinidades parecia interessante. A ideia de ser um dos três grandes festivais anuais de Barcelona, os outros sendo o Primavera Sound e o Benicassim, sublinhava a excitante vida cultural que a cidade hoje promove (e exporta). Mas só vendo se percebe porque é, afinal, o Sonar, um dos mais incríveis festivais que hoje decorrem em solo europeu.
O conceito é bem mais interessante que o da concentração de músicos em volta de um ou dois palcos numa ou duas noites. De dia, o Sonar tem programação concentrada num pólo no centro da cidade, usando os espaços do MACBA (Museu de Arte Contemporânea de Barcelona) e do CCCB (Centro de Cultura Contemporâenea de Barcelona) e pátios em seu redor. Concertos em diversos palcos a funcionar em simultâneo (um deles num convidativo terreiro ao ar livre com relvado artificial), uma feira de discos, uma mostra de revistas e publicações sobre culturas alternativas, uma exposição sobre capas de discos, livrarias e muitos bares e zonas de sombra compõem a oferta. De noite, um pouco mais afastado do centro, o espaço em redor do Polígon Pedrosa chama DJs e concertos para plateias mais vastas, novamente sob uma mesma política de programação de palcos com eventos em simultâneo, o que impede a concentração excessiva de públicos frente a um só acontecimento. Depois, noite fora, as festas multiplicam-se pelos clubes, bares e hotéis da cidade. Mais de 900 jornalistas estão credenciados, 60 por cento dos quais estrangeiros, representando portanto o Sonar um dos mais eficazes cartazes de exportação e exposição internacional da vida moderna e potencial turístico (e económico em geral) da actual Barcelona. Com um CCB em Lisboa ou Serralves no Porto, para citar dois espaços afins aos que acolhem o Sonar, quando poderemos pensar num evento destas dimensões, qualidade e potencial entre nós?

O concerto dos Scissor Sisters representou o momento alto da programação de Sexta-feira do Sonar “diurno” (à noite Herbert e Chic dividiram louros). O concerto não estava anunciado, secretismo mantido até à última hora como se já não vê na era Internet. Actuaram às quatro da tarde, sob tórrido calor, o que não impediu ninguém de dançar durante toda a actuação, mesmo que tal custasse a boa forma das camisas e camisolas, encharcadas de suor de tanta euforia dançante. Melhor que o concerto que há algumas semanas vi em Nova Iorque (as novas canções estão mais bem assimiladas e o público foi de entusiasmo inexcedível), o concerto deixou claro que os Scissor Sisters têm em mãos um dos potenciais fenómenos do ano. Metade do alinhamento antecipou temas que em Setembro poderemos escutar em Ta-Dah, provando-se uma vez mais a eficácia absoluta do single escolhido para o apresentar: I Don’t Feel Like Dancing, imparável motor de festa frente a uma plateia que não o estranhou, aceitando-o de imediato. Outra das vencedoras foi, como em Nova Iorque, o espantoso híbrido feito de vaudeville e country que tem por título I Can’t Decide. De conversa com os elementos da banda ficou claro que não era, à partida, uma canção ponderada para eventual single (entre os cinco ou seis que projectam extraír do álbum durante o próximo ano e meio). O entusiasmo (evidente) da pequena comitiva lusitana (que foi tema de conversa ao jantar entre elementos da banda, disseram-me no dia seguinte) e a reacção da plateia está a faze-los repensar as coisas... O concerto mostrou ser também muito bem nascida a canção cantada por Anna Matronic, Kiss You Off, de travo quase new wave (lembrou-me Blondie nos seus melhores dias). Na véspera tinha escutado já, em versão final, dez das 12 canções de Ta-Dah, disco que, sem fugir muito ao som primeiro álbum, volta a brindar-nos com uma das mais irresistíveis bandas sonoras para escapismo positivo do momento. E atenção aos temas menos evidentes do álbum (leia-se, sem “disco”), como, além do já repoferido I Can’t Decide, os igualmente soberbos The Other Side (que lembra os Roxy Music em finais de 70) e Just Might Tell You Tonight (a canção mais próxima do classissismo pop de toda a obra dos Scissor Sisters até ao momento).

Da passagem pelo Sonar destaca-se ainda a soberba exposição Vinyl, que junta no primeiro andar do MACBA, até 3 de Setembro, uma expressiva colecção de capas de discos, a maioria documentando espaços da música contemporânea, rock alternativo e jazz. Estão por lá peças criadas por grandes nomes das artes plásticas, de Dalí a Keith Haring, de Yves Klein (sim, a capa é toda azul) a Andy Warhol. Estão por lá capas dos Sonic Youth, Philip Glass, Velvet Underground, Kraftwerk, Patti Smith, John Cale, Laurie Anderson, Laibach, Rolling Stones e, claro, a edição original do Sgt Peppers dos Beatles. Dominam as colheitas de 60 e 70. A exposição ocupa a quase totalidade de um andar do museu e divide as capas (e algum material adjacente) por estéticas representadas, por afinidades musicológicas, por épocas, e em alguns casos até por artistas. Além das capas vêm-se rótulos, livros complementares, fotografias ou ilustrações. Não se trata de um historial representativo da história do design ao serviço da música, antes um olhar por espaços de desenho, tipografia e fotografia ao longo da era do vinil, numa colecção onde a esmagadora maioria das peças provém de edições de LPs. A exposição não é, nem parece querer ser, nem um best of deste capítulo da história, nem mesmo uma sistemática cientificamente apresentada das escolas de design mais influentes e marcantes. Apenas, uma visão pessoal, esteticamente coerente (tanto na música ilustrada, como no design apresentado).
A dada altura, atribuindo um som às imagens expostas, uma zona de postos de escuta quebra a eventual distância entre quem vê e o que vê, abrindo portas de interactividade que estimulam um relacionamento mais próximo com o visitante, que se pode depois prolongar ao seu espaço privado pela compra do excelente catálogo que acompanha a exposição.

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