sábado, maio 27, 2006

O adeus ao 'rei do ska'

Morreu o “rei do ska”. Desmond Dekker, o único nome da música jamaicana a gozar de uma dimensão global ao nível de Bob Marley, contudo sem a sua carga mitológica (e consequente construção de identidade icónica, que se projecta viva nas gerações seguintes), e com uma vida pública sobretudo visível em duas épocas distintas de presença influente, uma em finais de 60, a outra dez anos depois. Foi o primeiro a levar uma canção jamaicana pura (The Israelites) ao top ten norte-americano, portas para si abertas a um mercado até então quase alheado à música da sua ilha natal. E será eternamente reconhecido como uma das mais criativas forças do ska.
Desmond Adolphus Dacres nasceu num arredor de Kingston, na Jamaica, a 16 de Julho de 1942. Órfão muito cedo, trabalhou como soldador, cantando para os colegas nas horas de pausa, o que os levou a encorajá-lo a fazer audições junto de editores locais. Assim foi, cantando em 1961 perante Coxsone Dodd (Studio One) e Duke Reid (Treasure Isle), nenhum deles particularmente impressionado com a sua performance. Melhor sorte teve nos estúdios da Beverly, quando cantou para Leslie Young, a grande estrela da editora Derrick Morgan presente na sala nesse instante decisivo. Foi a insistência de Morgan que lhe garantiu o arranque de carreira que, mesmo assim, esperou dois anos, Leslie Young em busca da canção certa para o lançar. A canção, Honour Your Father and Mother, chegou em 1963. Êxito imediato, somando dois outros logo a seguir. Dacres muda de nome para Dekker e, em 1964, grava o decisivo single King Of Ska, com os Maytals, canção que anos depois lhe assentou que nem luva ao receber, de mérito próprio, a designação de rei do ska na imprensa britânica. Pouco depois formaria os Aces, com quem gravaria discos inesquecíveis.

A Inglaterra de finais de 60, em plena euforia mod, acolheu-o como um dos seus quando o seu single 007 (Shanty Town), que assinalava uma mudança de atitude e imagem, ali chegou, subindo ao top 20. Em 1967 visitou Londres e outras cidades inglesas numa primeira digressão, seguida fielmente por legiões de mods, que ali encontravam um novo ícone “pop” a seguir. A sua consagração internacional chegaria meses depois quando The Israelites atingiu o primeiro lugar em Inglaterra e entrou, inesperadamente, pelos lugares cimeiros da tabela de vendas americanas. O sucesso de Dekker era visível, abrindo portas das atenções para inúmeros outros jamaicanos, difundindo singles de ska pelo velho e novo mundo.
A década de 70 viu-o essencialmente sediado em Inglaterra, editando alguns discos interessantes pela Trojan, mas sem a mesma visibilidade, a nova geração reggae (Bob Marley, Peter Tosh, Horace Andy) somando agora o grosso das atenções. Todavia, na recta final da década, um surto de interesse pela redescoberta do ska, que surgiu associado às muitas manifestações de descendência da revolução punk, devolveu-o às luzes. Em pleno movimento Two Tone, patrono evidente de nomes como os Specials, The Beat, Madness ou The Selecter, Desmond Dekker assinou pela Stiff Records, Desmond Dekker voltou a ganhar notoriedade, os seus discos todavia não reflectindo a mesma luz e génio de outrora.
A década de 80 voltou a silenciá-lo, os anos 90 devolvendo-o ao circuito mais vivo dos discos e concertos, sobretudo depois da curiosa experiência de colaboração com os Specials no álbum de 1995 The King Of Kings.
Nos últimos anos tinha mantido regular actividade editorial, e a sua agenda de espectáculos apontava, para o mês de Junho, uma série de concertos na Suiça, Irlanda e Polónia, aos quais se seguiriam actuações na Bélgica, Reino Unido e Alemanha, datas marcadas até meados de Novembro. Desmond Dekker morreu ontem, em sua casa, no Surerey (Reino Undio). Tinha 64 anos.

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