A surpresa chegou no final da cerimónia, com a atribuição do Óscar de Melhor Filme a Crash – Colisão, uma evidente adaptação menor da ideia que estrutura Magnólia, todavia com carteira de causas capaz de vencer todos os departamentos do politicamente… moderno. A outra única surpresa da noite serviu-se através da inenarrável má canção (canção?) dos Three 6 Mafia para a banda sonora de Hustle & Flow, sublinhando que há surdez endémica nos ouvidos da Academia que, nem quando quer ser… moderna, consegue escolher uma canção minimamente capaz de justificar um prémio pelo qual, a sua simples evocação, anos depois, deveria trazer automaticamente som aos nossos ouvidos. Duvido que, dentro de meses, alguém se lembre de It’s Hard Out There For A Pimp. Assim como imagino futuro bem mais radioso para Crash, sendo de prever, nos dias de amanhã, maior volume de evocações e memórias para filmes como Brokeback Mountain, Munique, Boa Noite, e Boa Sorte ou Capote que para o "melhor do ano". Mas, enfim, A Paixão de Shakespeare também foi melhor filme. E Uma Mente Brilhante, também…
Nota curiosa para o concentrado de nomeações técnicas no limpo, mas deslaçado e entediante Memórias de Uma Gueixa e para King Kong, reforçando aqui a excelência técnica da equipa neo-zelandesa que Peter Jackson revelou ao mundo nos últimos anos.
O melhor da cerimónia, onde de facto, além dos casos acima citados, não morou a surpresa, foi sem dúvida, Jon Stewart. Foi o melhor apresentador em anos, mordaz, atento, certeiro, hilariante, e capaz de incomodar a plateia de instituições que tinha pela frente.
E o resto foi… política. Um ano de causas sociais (no departamento das intolerâncias) e de filmes concretamente centrados em cenários geopolíticos, sublinhando aqui que o entretenimento sente hoje a necessidade de juntar o real e a reflexão a um espaço muitas vezes dominado por inconsequentes escapismos. A cerimónia traduziu essa carga política, assim como foi política a recorrente referência ao cinema como espaço que se vê em sala, não em DVD ou mesmo em pequenos leitores portáteis. Destaque ainda para a nota sublinhada de Larry McMurtry, um dos argumentistas de Brokeback Mountain, ao referir o conto de Annie Proulx no qual se baseia o filme, defendendo a cultura do livro e o papel que o cinema pode ter na sua luta pela sobrevivência.
Saldo final? Brokeback Mountain com merecidos três Óscares (e mais dois injustamente desviados, o de Melhor Filme e o de Melhor Actor). Walk The Line palidamente celebrado (se bem que Felicity Huffman, por Transamerica, merecia mais a estatueta que Reese Witherspoon). Munique e Boa Noite e Boa Sorte secundarizados (mas, aqui, as nomeações foram já suficiente garantia de atenções). Capote a dar um Óscar ao magnífico Philip Seymour Hoffman (que o merecia mais por outros filmes, mas enfim, é sempre assim). George Clooney com prémio de compensação por Syriana. Robert Altman justificadamente agraciado. Geishas "chinesas" (sim, as actrizes são chinesas) sobrevalorizadas. Pinguins em alta! Wallece & Gromit também! E para o ano há mais (e não sei porque ainda perdemos tempo com isto...).
Os vencedores:
Brokeback Mountain: 3
Melhor Realizador – Ang Lee
Melhor Argumento Adaptado - Larry McMurtry & Diana Ossana
Melhor Banda Sonora – Gustavo Santaolalla
Crash – Colisão: 3
Melhor Filme
Melhor Argumento Original - Paul Haggis & Bobby Moresco
Melhor Montagem - Hughes Winborne
King Kong: 3
Melhores Efeitos Especiais
Melhor Montagem de Som
Melhor Mistura de Som
Memórias de Uma Gueixa: 3
Melhor Guarda-Roupa - Colleen Atwood
Melhor Direcção Artística - John Myhre, Gretchen Rau
Melhor Fotografia - Dion Beebe
Walk The Line: 1
Melhor Actriz – Reese Witherspoon
Capote: 1
Melhor Actor – Philip Seymour Hoffman
Syriana: 1
Melhor Actor Secundário – George Clooney
O Fiel Jardineiro: 1
Melhor Actriz Secundária – Rachel Weisz
Tsotsi: 1
Melhor Filme Estrangeiro (África do Sul)
A Marcha dos Pinguins: 1
Melhor Documentário
Wallace & Gromit – A Ameaça do Coelhomem: 1
Melhor Filme de Aminação
As Crónicas de Narnia: 1
Melhor Caracterização
Hustle & Flow: 1
Melhor Canção – It’s Hard Out There For A Pimp (Three 6 Mafia)
E ainda:
A Note of Triumph - The Golden Age of Norman Corwin: Melhor Curta (Documentário); Six Shooter: Melhor Curta (Ficção); The Moon and the Sun - An Imagined Conversation: Melhor Curta (Animação)
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