Apesar de algumas edições, principalmente EPs nos anos 50 e 60, a música clássica sempre conviveu sobretudo com o formato do álbum. Todavia, houve excepções. E uma delas, em 1983, coube a Philip Glass. O compositor vivia então uma fase de intensa experiência de novas formas e espaços musicais. Depois de uma etapa de definição de uma linguagem própria nos anos 60 (que dele fez, juntamente com La Monte Young, Terry Riley e Steve Reich um dos quatro pilares do minimalismo norte-americano) e das aplicações ao teatro musical, ao cinema e à criação de peças para ensemble nos anos 70, chegou à fronteira de 80 com nova ideia em mente: a de adaptar os preceitos de uma música que havia nascido essencialmente electrónica aos instrumentos mais “convencionais”. Entre os primeiros trabalhos de transição das electrónicas para as orquestras sinfónicas e ensembles de câmara contaram-se a segunda e terceira óperas da trilogia dos retratos (Satyagraha e Akhathen), o ciclo de curtas peças instrumentais Glassworks (1982) e o magistral The Photographer (1983), onde pela primeira vez ensaiava a canção (mote evidente para a criação, três anos depois, do ciclo fundamental Songs From Liquid Days). Seguindo talvez a ideia ousada de Laurie Anderson, que em 1981 havia editado em single. O Superman, Philip Glass lançou, em 1983, um single onde apresentava, na face A, um excerto do ciclo Glassworks e, no lado B, a canção extraída de The Photographer. O extenso texto publicado na contracapa era claramente voltado para um público pop que, através das citações reverenciais de músicos como David Bowie, Brian Eno ou Kraftwerk, começava a descobrir Philip Glass. Numa entrevista, na época, Glass desconcertava os puristas, dizendo que havia tanta gente a gostar da sua música descrevendo-a como “clássica”, como a dizer que dela gostava porque não era… “clássica”. A vida dupla de Glass, entre a pop e a clássica, tomou aqui primeiros passos evidentes, num processo que, nos anos seguintes, o faria trabalhar com figuras como os S-Express, Aphex Twin (editando novos singles em ambos os casos), Mick Jagger, Marisa Monte, Pierce Turner, Ute Lemper ou Natalie Merchant. A divisão “clássica” mais conservadora, naturalmente, não gostou destas… maluquices.
PHILIP GLASS “Facades” (Epic, 1983)
Lado A: Facades (Glass)
Lado B: A Gentleman’s Honour (Glass)
Produção: Kurt Munkacsi e Philip Glass
MAIL