São poucos os discos ao vivo verdadeiramente significativos na história da música popular. Porém, na altura da segunda visita a Portugal dos Depeche Mode, recorde-se um dos mais marcantes álbuns ao vivo da década de 80: 101, banda sonora para o filme com o mesmo nome de D.A. Pennebaker. Em 1987, depois de editado o magnífico Music For The Masses, os Depeche Mode eram uma banda com linguagem completamente definida. Depois de uma etapa de ensaio da escrita de Martin Gore entre 1982 e 85, a edição do anterior Black Celebration já havia elevado a um patamar de solidez e excelência uma música firme na sua lógica de construção suportada prioritariamente por electrónicas, estruturalmente respeitadora das premissas clássicas da canção pop e enegrecida pelas palavras e visões sombrias do compositor e pela cenografia áudio pincelada pela intervenção de Alan Wilder. A entrada em cena do fotógrafo holandês Anton Corbijn acrescentou à música um rosto finalmente consequente e capaz de a representar. O caminho seguia, em frente…
Com dois álbuns de grande solidez (e considerável sucesso) em mãos, os Depeche Mode regressaram à estrada em 1987 com uma longa digressão, a Concert For The Masses Tour, com agenda de 101 datas, que sobretudo os transformaram, em solo americano, de emergente fenómeno underground escutado à distância num potencial fenómeno de grande público, salas e recintos esgotados por todo o território. D.A. Pennebaker (o autor do mítico Don’t Look Back, documentário sobre Bob Dylan em meados de 60) foi convidado a rodar um filme sobre a digressão, os seus bastidores e o seu público. Assim o fez, projectando para o último concerto da digressão, no Rose Bowl em Passadena, a 18 de Junho de 1988, a gravação das imagens de palco. A acompanhar a imagem, esse concerto apoteótico foi também gravado, e editado pouco depois num álbum duplo que em tudo confirmou pelo mundo fora os feitos da digressão. Escutamos aqui uma banda segura, rodada. Canções bem encadeadas, num alinhamento irrepreensível, colocando entre os temas da nova etapa alguns clássicos de pop de primeira água que criaram antes de 1986. Destaque, aqui, para o encore arrebatador, com uma versão incansável de Just Can’t Get Enough e uma versão longa de Everything Counts, que termina com o público a repetir, vezes sem conta, o refrão da canção (ideia que aqui ganhou forma para, depois, se repetir em digressões subsequentes do grupo).
Como complemento a um soberbo disco de palco, bem gravado e de som perfeito, o booklet, com imagens de Anton Corbijn, é a cereja que se vê sobre um belo bolo.
Depeche Mode, ‘101’ (Mute Records, 1988)
Se gostou, escute depois:
New Order. ‘Power, Corruption And Lies’ (1983)
Depeche Mode. ‘Violator’ (1990)
Ladytron. ‘604’ (2001)
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