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Quase sempre se sublinha o facto de Chéreau, nome incontornável do moderno teatro francês, ser um realizador que transporta para os filmes, transfigurando-as, as marcas da sua experiência teatral. Assim é, sem dúvida, e bastará recordar o magnífico A Rainha Margot (1994) para o confirmar. Mas não há dúvida que a rodagem (britânica) de Intimidade (2001) trouxe algo de novo à criatividade de Chéreau: um apurado gosto realista insinuou-se na teatralidade das cenas e dos gestos, de tal modo que talvez possamos definir Gabrielle como a sublime combinação dessas duas vertentes, agora para contar uma história situada em cenários franceses do começo do século XX. Trata-se, em boa verdade, da transposição de um conto inglês, de Joseph Conrad (The Return, 1898), sobre a crise de um casal, desencadeada pelo facto de, um dia, a mulher sair de casa (com uma contundente carta de despedida), regressando na noite do mesmo dia... Isabelle Huppert e Pascal Greggory compõem essas duas personagens como quem faz uma síntese do mais extremo delírio emocional e da mais contida escalpelização psicológica e moral: Gabrielle é uma travessia do espaço conjugal que se transforma numa imensa decomposição analítica daquilo que pode aproximar (ou afastar) dois seres humanos — é um filme de crua, e também muito terna, contemplação da verdade mais indizível dos gestos amorosos.
* No Classic Reader, pode ler-se o conto The Return, de Joseph Conrad.
* Biofilmografia de Patrice Chéreau na Wikipedia.
* Site não oficial dedicado a Isabelle Huppert.