O título português — Nada a Esconder — não ajuda muito. Em boa verdade, não ajuda mesmo nada. O original Caché quer dizer, muito simplesmente, "Escondido" e decorre de um facto linear: a família do casal protagonista (Juliette Binoche e Daniel Auteuil) começa a ser ameaçada por algo de... escondido, isto é, alguém lhes envia cassetes de video em que descobrem imagens de si próprios, no seu dia a dia. A um primeiro nível, estamos perante uma fabulosa variação sobre o thriller urbano, com o espaço familiar a revelar-se como uma espécie de fortaleza imaginária face a um mundo em que a proliferação de imagens e a decomposição dos valores humanistas clássicos parecem avançar a par (e de forma cúmplice). Ao mesmo tempo, porém, a inquietação que se vai instalando gera uma dúvida paradoxal: a crise que se abre naquela família foi desencadeada pelas imagens ou, em boa verdade, já existia de forma endémica, limitando-se as imagens a explicitar toda uma teia de silêncio e solidões?
Michael Haneke, o cineasta austríaco de A Pianista (2001) prossegue, aqui, a sua obra enraizada em França. Ele filma todo este aparato delirante com o rigor maníaco de quem expõe uma prisão em que todos vivem alimentando ilusões paradisíacas. Numa Europa que, oficialmente, se apresenta como um espaço de preservação dos mais clássicos valores humanistas, o seu cinema desempenha o papel (também ele clássico) do céptico que se recusa a desviar o olhar de tudo o que é simulacro afectivo ou ambiguidade moral.
Daí também o carácter universal, tão fascinante quanto perturbante, de Caché. Podemos até supor que, apesar de um limitadíssimo lançamento (em número de salas) nos EUA, o filme de Haneke, sustentado pelo seu impacto crítico e jornalístico, poderá ter algumas hipóteses nos próximos Oscars, nomeadamente nas categorias de interpretação ou, sobretudo, argumento. Seja como for, e aconteça o que acontecer ao longo do ano, este é, desde já, um dos filmes maiores de 2006.
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Michael Haneke, o cineasta austríaco de A Pianista (2001) prossegue, aqui, a sua obra enraizada em França. Ele filma todo este aparato delirante com o rigor maníaco de quem expõe uma prisão em que todos vivem alimentando ilusões paradisíacas. Numa Europa que, oficialmente, se apresenta como um espaço de preservação dos mais clássicos valores humanistas, o seu cinema desempenha o papel (também ele clássico) do céptico que se recusa a desviar o olhar de tudo o que é simulacro afectivo ou ambiguidade moral.
Daí também o carácter universal, tão fascinante quanto perturbante, de Caché. Podemos até supor que, apesar de um limitadíssimo lançamento (em número de salas) nos EUA, o filme de Haneke, sustentado pelo seu impacto crítico e jornalístico, poderá ter algumas hipóteses nos próximos Oscars, nomeadamente nas categorias de interpretação ou, sobretudo, argumento. Seja como for, e aconteça o que acontecer ao longo do ano, este é, desde já, um dos filmes maiores de 2006.