Segundo dia de listas no Sound + Vision, hoje de olhos postos no grande ecrã. Os melhores filmes de 2005, nas escolhas da casa:
João Lopes
1. Saraband, de Ingmar Bergman
2. A Nossa Música, de Jean-Luc Godard
3. No Direction Home, de Martin Scorsese
4. Million Dollar Baby, de Clint Eastwood
5. Reis e Rainha, de Arnaud Desplechin
6. Ela Odeia-me, de Spike Lee
7. Charlie e a Fábrica de Chocolate, de Tim Burton
8. De Tanto Bater o Meu Coração Parou, de Jacques Audiard
9. O Quinto Império, de Manoel de Oliveira
10. Birth, de Jonathan Glazer
Foi um ano assombrado por uma ameaça "global": os espectadores estão a deixar de ir às salas porque ficam a casa a ver filmes em DVD. Mais do que isso: essa deslocação de público implicaria perdas financeiras irreparáveis para as indústrias de todo o mundo. Em boa verdade, tudo isso são facilidades mediáticas apenas cobertas pelo jornalismo mais medíocre. A situação é inevitavelmente mais complexa e multifacetada. Primeiro, porque já há vários anos que estudos económicos globais garantem, sem qualquer equívoco, que cada novo filme tende a acumular em DVD, pelo menos, o mesmo nível de receitas que nas salas. Depois, porque importa discutir, não a suposta "oposição" salas/DVD, mas sim o próprio modo de funcionamento interno dos mercados e, em particular, as suas estratégias de marketing. Ora, neste aspecto, é preciso lembrar que 2005 agravou um importante défice promocional: alguns agentes do mercado, mais especificamente da área da distribuição/exibição, parecem apenas ter programas para promover os blockbusters ("bons" ou "maus", não é isso que está em causa). Como consequência, cresceu o número de títulos comercialmente desprotegidos, lançados apenas para preencher "espaço" e previamente condenados a brevíssimos tempos de exibição. Aliás, o problema é ainda mais grave no espaço dos DVDs em que, todas as semanas, são literalmente despejados nas lojas filmes que não foram objecto de qualquer promoção (e de que até, muitas vezes, nem sequer é fornecida informação regular à imprensa). Daí o desafio para 2006: (re)inventar a dinâmica de um mercado que saiba trabalhar com a própria pluralidade do cinema contemporâneo e do(s) respectivo(s) público(s). Um dado discreto, mas muito sintomático, que fica de 2005: a reposição de Aurora (1927), de F. W. Murnau, um sucesso que, na sua pequeníssima escala (apenas uma sala), reflecte aquela pluralidade e também a importância do cinema como memória e património. J.L.
Nuno Galopim
1. Charlie e a Fábrica de Chocolate, Tim Burton
2. Tarnation, de Jonathan Caouette
3. Wallace & Gromit – A Ameaça do Coelhomem, de Steve Box e Nick Park
4. A Queda, de Oliver Hirschbiegel
5. Um Peixe Fora de Água, de Wes Anderson
6. Cruel, de Mikael Hafsrom
7. La Moustache, de Emmanuel Carrère
8. De Tanto Bater O Meu Coração Parou, de Jacques Audiard
9. Me And You And Everyone We Know, de Miranda July
10. Mysterious Skin, de Gregg Araki
Um olhar pelos títulos do ano mostra sinais de bom humor num tempo de angústias. Um humor não necessariamente escapista, porque traçado sobre uma moral humanista (não confundir com atitude moralista, à antiga), promovendo valores por vezes em desuso nos dias que correm. Tim Burton serviu-nos dois belos momentos de cinema (Charlie e A Noiva Cadáver), e em ambos os casos a música de Danny Elfman teve fulcral importância no contar da história, recontextualizando, muito à maneira da dupla gótica, velhas heranças do cinema musical. A Queda deu-nos um olhar diferente sobre Hitler e a forma como um sistema vê o mundo que o rodeia transformado num colapso inevitável, sem fuga possível. Cruel falou de hipocrisia como poucas vezes se tem visto no cinema. Na lista, três filmes ainda sem estreia entre nós, um deles, realizado por Emmanuel Carrère (conhecido romancista em excelente primeira obra no cinema), ainda sem sinais de compra por distribuidores nacionais…
Uma lista é sempre incompleta, e força-nos a escolhas limitadas. Perto destes dez mais, o ano pode ser recordado ainda por filmes como Maria Cheia de Graça, O Castelo Andante, Birth, Uma Pequena Vingança – Mean Creek, Million Dollar Baby, A Marcha dos Pinguins, Rize, A Noiva Cadáver…
A Guerra das Estrelas chegou ao fim… Pronto, assunto arrumado. King Kong abaixo das expectativas. Cine-rock em dieta salva pelo biopic de Bobby Darin de Kevin Spacey, que das 9 Songs, Ray e Last Days não rezará a minha história.
Nota final para o cinema português. Alice e Odete fizeram a diferença. O primeiro a enfermar de alguns problemas de verosimilhança (mas com uma banda sonora de excepção). O segundo a ensaiar com mais ousadia (e bem melhores resultados) a fronteira do real e inverosímil. Mas ambos a mostrar que há nova e aprumada exigência técnica na imagem, no som, na criação de ambientes, que contraria a lógica quase amadora e embaraçosa que por vezes domina certas produções nacionais (muitas delas partindo de profissionais com obrigação de fazer bem melhor). E novas formas de olhar para uma cidade como Lisboa. N.G.
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João Lopes
1. Saraband, de Ingmar Bergman
2. A Nossa Música, de Jean-Luc Godard
3. No Direction Home, de Martin Scorsese
4. Million Dollar Baby, de Clint Eastwood
5. Reis e Rainha, de Arnaud Desplechin
6. Ela Odeia-me, de Spike Lee
7. Charlie e a Fábrica de Chocolate, de Tim Burton
8. De Tanto Bater o Meu Coração Parou, de Jacques Audiard
9. O Quinto Império, de Manoel de Oliveira
10. Birth, de Jonathan Glazer
Foi um ano assombrado por uma ameaça "global": os espectadores estão a deixar de ir às salas porque ficam a casa a ver filmes em DVD. Mais do que isso: essa deslocação de público implicaria perdas financeiras irreparáveis para as indústrias de todo o mundo. Em boa verdade, tudo isso são facilidades mediáticas apenas cobertas pelo jornalismo mais medíocre. A situação é inevitavelmente mais complexa e multifacetada. Primeiro, porque já há vários anos que estudos económicos globais garantem, sem qualquer equívoco, que cada novo filme tende a acumular em DVD, pelo menos, o mesmo nível de receitas que nas salas. Depois, porque importa discutir, não a suposta "oposição" salas/DVD, mas sim o próprio modo de funcionamento interno dos mercados e, em particular, as suas estratégias de marketing. Ora, neste aspecto, é preciso lembrar que 2005 agravou um importante défice promocional: alguns agentes do mercado, mais especificamente da área da distribuição/exibição, parecem apenas ter programas para promover os blockbusters ("bons" ou "maus", não é isso que está em causa). Como consequência, cresceu o número de títulos comercialmente desprotegidos, lançados apenas para preencher "espaço" e previamente condenados a brevíssimos tempos de exibição. Aliás, o problema é ainda mais grave no espaço dos DVDs em que, todas as semanas, são literalmente despejados nas lojas filmes que não foram objecto de qualquer promoção (e de que até, muitas vezes, nem sequer é fornecida informação regular à imprensa). Daí o desafio para 2006: (re)inventar a dinâmica de um mercado que saiba trabalhar com a própria pluralidade do cinema contemporâneo e do(s) respectivo(s) público(s). Um dado discreto, mas muito sintomático, que fica de 2005: a reposição de Aurora (1927), de F. W. Murnau, um sucesso que, na sua pequeníssima escala (apenas uma sala), reflecte aquela pluralidade e também a importância do cinema como memória e património. J.L.
Nuno Galopim
1. Charlie e a Fábrica de Chocolate, Tim Burton
2. Tarnation, de Jonathan Caouette
3. Wallace & Gromit – A Ameaça do Coelhomem, de Steve Box e Nick Park
4. A Queda, de Oliver Hirschbiegel
5. Um Peixe Fora de Água, de Wes Anderson
6. Cruel, de Mikael Hafsrom
7. La Moustache, de Emmanuel Carrère
8. De Tanto Bater O Meu Coração Parou, de Jacques Audiard
9. Me And You And Everyone We Know, de Miranda July
10. Mysterious Skin, de Gregg Araki
Um olhar pelos títulos do ano mostra sinais de bom humor num tempo de angústias. Um humor não necessariamente escapista, porque traçado sobre uma moral humanista (não confundir com atitude moralista, à antiga), promovendo valores por vezes em desuso nos dias que correm. Tim Burton serviu-nos dois belos momentos de cinema (Charlie e A Noiva Cadáver), e em ambos os casos a música de Danny Elfman teve fulcral importância no contar da história, recontextualizando, muito à maneira da dupla gótica, velhas heranças do cinema musical. A Queda deu-nos um olhar diferente sobre Hitler e a forma como um sistema vê o mundo que o rodeia transformado num colapso inevitável, sem fuga possível. Cruel falou de hipocrisia como poucas vezes se tem visto no cinema. Na lista, três filmes ainda sem estreia entre nós, um deles, realizado por Emmanuel Carrère (conhecido romancista em excelente primeira obra no cinema), ainda sem sinais de compra por distribuidores nacionais…
Uma lista é sempre incompleta, e força-nos a escolhas limitadas. Perto destes dez mais, o ano pode ser recordado ainda por filmes como Maria Cheia de Graça, O Castelo Andante, Birth, Uma Pequena Vingança – Mean Creek, Million Dollar Baby, A Marcha dos Pinguins, Rize, A Noiva Cadáver…
A Guerra das Estrelas chegou ao fim… Pronto, assunto arrumado. King Kong abaixo das expectativas. Cine-rock em dieta salva pelo biopic de Bobby Darin de Kevin Spacey, que das 9 Songs, Ray e Last Days não rezará a minha história.
Nota final para o cinema português. Alice e Odete fizeram a diferença. O primeiro a enfermar de alguns problemas de verosimilhança (mas com uma banda sonora de excepção). O segundo a ensaiar com mais ousadia (e bem melhores resultados) a fronteira do real e inverosímil. Mas ambos a mostrar que há nova e aprumada exigência técnica na imagem, no som, na criação de ambientes, que contraria a lógica quase amadora e embaraçosa que por vezes domina certas produções nacionais (muitas delas partindo de profissionais com obrigação de fazer bem melhor). E novas formas de olhar para uma cidade como Lisboa. N.G.