terça-feira, dezembro 20, 2005

RRV: 25 Anos Depois (parte 2)

Ao que parece a evocação do Rock Rendez Vous deu brado. Houve comentários de todo o género, dos telegráficos e insultuosos (que logo ignoro) e portanto incapazes de discutir opiniões, mais parecendo não saber como sustentá-las, aos esclarecidos, oportunos, sérios e, portanto, motores de reflexão, como o que o Vítor Junqueira publicou no seu Juramento Sem Bandeira.

Com razão, o Vítor aponta alguns espaços de entusiasmo, activismo e de boa oferta musical na Lisboa actual. Um deles sendo a ZDB, o outro o Santiago Alquimista. Quanto à ZDB concordo com o que diz. É activista, militante até (o que é bom nestas coisas das culturas alternativas). Tem uma programação regular, muito própria, com uma política definida e é, reconheço, oásis único para a divulgação de novas bandas, novas ideias e novos desafios por estes lados. Sem termos de invocar quaisquer juízos de valor sobre músicas ali reveladas, é um facto que nomes que me parecem representativos da cena underground actual, do Legendary Tiger Man aos Loosers, conheceram na ZDB um espaço de afirmação determinante. Mas a ZDB não só é janela ao que de novo emerge em Lisboa e mais além, já que tem acolhido visitas notáveis vindas de fora (os Animal Collective, mesmo fora de portas, foram um dos concertos do ano). É certo que por vezes, entre a programação, surge um ou outro devaneio conceptual quase inatingível, mas a coisa é mesmo assim… Basta ver galerias de arte ou museus de arte contemporânea por esse mundo fora para nos habituarmos a aceitar o diferente, mesmo que não o compreendamos (Beethoven era dado como louco por usar dissonâncias no seu tempo…).
O que falta à ZDB? Poder-se-ia falar em políticas de programação, mas há ali uma lógica e um caminho, e convém tudo menos descaracterizar um espaço que tem personalidade já bem vincada. Daí que falte, sobretudo, alguma maior capacidade para criar mais visível discurso fora de portas e assim interferir na sociedade. A música portuguesa precisa de mais agitação, e neste momento esta parece uma das salas mais preparadas para, com cultos sólidos, apoiar a projecção mais visível de algumas novas bandas. É certo que estamos num espaço underground, e que a sociedade habitualmente vive rumo a outros azimutes. Mas aí o RRV (sim, lá voltamos ao Rock Rendez Vous) conseguia, através da exposição no Se7e e Blitz, e em algumas rádios, passar mensagens para mais longe. Ali se revelaram Pop Dell’Arte, Mão Morta, Mler Ife Dada. Mas foi também ali que os Xutos & Pontapés conquistaram segurança e entusiasmaram editores a um passo de evolução determinante na sua carreira. O panorama mediático é hoje diferente e quem edita quer mais Xutinhos que ideias efectivamente inovadoras. Mas podemos trabalhar, todos, jornalistas, músicos e salas de espectáculos, para tentar mudar um pouco este panorama de nuvens baixas em que vive o meio editorial português actual.
Depois fala-se no Santiago Alquimista. É um bom palco, sem dúvida. Mas já lá passei em noites em que ouvi mais barulhos de bar (máquinas e conversas) que a música que saía do palco. E ali não de pode falar em programação, antes em agenda de concertos marcados. Uma política de casa mais apurada seria fundamental a uma mudança de personalidade de um espaço com enorme potencial ainda por concretizar.
E não nos esqueçamos de um Mercado, que pode tomar importante papel na afirmação de um espaço de divulgação do hip hop e parentes próximos, saiba manter programação activa e a já referida produção de discurso não em circuito fechado, mas para fora de portas. Ou de um Frágil, que regularmente tem acolhido algumas novas propostas pop e electrónicas em noites de quarta-feira, mas também sem capacidade, até aqui, de projectar essa agitação para a rua (apesar da edição da interessante colectânea Frágil 21).
A evocação do RRV (que talvez enfermasse de alguma nostalgia) lembrou-me de um tempo diferente em que, é verdade, havia mais entusiasmo geral em volta do fenómeno musical em Portugal (mais vendas, mais apostas editoriais, mais projectos a entrar regularmente em cena). Hoje o panorama é diferente e não era um RRV 2.0 que ia salvar as coisas. As músicas e públicos especializaram-se (sim, o RRV era mais generalista). Mas os espaços musicais underground e o discurso artístico que geram parecem mais distantes do conhecimento do cidadão comum. E essa deveria ser preocupação política fundamental. Há ideias. Há bandas novas. Alguns espaços… Ou seja, temos um plano de trabalho pela frente…

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