Há dias vi, em DVD, este filme, que passou ao lado das atenções na devida altura. Tem por título Shattered Glass: Verdade ou Mentira (ed. LNK), conta a história, verídica, de um caso de fraude numa revista norte-americana e faz-nos pensar sobre a necessidade em vincar bem os limites entre a realidade e a ficção no contexto de uma atitude jornalística. Esta é a história que, em finais de 90, abalou o The New Republic, uma respeitada revista de actualidade política (que é leitura regular a bordo do Air Force 1, o avião presidencial). Stephen Glass é um jovem jornalista do quadro da revista e freelancer com textos publicados na Rolling Stone, Harper’s Bazar ou George. É, aparentemente, um humilde e tímido repórter, bem humorado e quase mascote da redacção da revista para as páginas da qual traz as mais incríveis histórias de gentes e comportamentos, como a do dia em que se fez passar por psicólogo num programa de rádio e assim denunciou o que dizia serem fraudulentas “psicoterapias” de grupo em FM ou da ocasião em que viu por dentro os bastidores de uma convenção republicana, levantando episódios de álcool e sexo entre os delegados mais jovens. Até ao dia em que publicou Hack Heaven, uma história incrível sobre hackers e eventuais relações de serviços pagos entre estes e companhias e grandes corporações, peça que um colunista da Vanity Fair desmontou pouco depois, ao não encontrar verdades nos factos, nos nomes envolvidos, na própria história em si, toda ela afinal inventada… Num sistema jornalístico como o americano, com hábitos de confirmação de dados e fontes antes da publicação de artigos, as ficções de Stephen Glass passaram o crivo dos supostos detectores de falhas, e surgiram como factos nas páginas da revista, até ao dia em que tudo acabou posto em causa e o jornalista logo foi afastado… O filme coloca o debate sobre certas liberdades (ou perversões) que podem corromper as verdades do jornalismo e a forma como uma conduta fraudulenta pode por em causa toda a imagem e respeito de uma publicação. E levanta ainda uma reflexão sobre a convivência, numa figura só, de evidentes talentos na escrita e tão estrondosas falhas de conduta ética (não deixando clara se ditada por ambição desmedida, se por patológica sede fantasista).
Este é um filme com argumento e realização de Billy Ray e com papel protagonista entregue a Hayden Christensen que, depois de visto nos Episódios II e III da Guerra da Estrelas, não imaginaríamos capaz de criar uma personagem desta dimensão dramática. Consigo contracena Peter Sarsgaard, que brevemente veremos no magnífico Máquina Zero, de Sam Mendes, a estrear a 12 de Janeiro.
Alguns textos de Stephen Glass e o link para a página falsa que criou para o artigo sobre hackers podem ser lidos aqui
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