Madonna "Confessions On A Dance Floor"
J.L.: Como se envelhece sem penalizar os outros pelo seu próprio envelhecimento? Talvez contorcendo o tempo, mostrando como a sua transparência é sempre ambígua e a sua linearidade sempre ilusória. É, pelo menos, essa a filosofia de Madonna num álbum cuja sedução paradoxal está sabiamente formulada no próprio título: um território de dança que se reiventa em tom confessional — o cruzamento de uma coisa e outra é, à sua maneira, uma revisitação do sagrado. Recuando até às sonoridades das suas primeiras aventuras, Madonna assume até às derradeiras consequências uma pose de transfiguração que, agora, entre muitas outras coisas, nos permite compreender melhor a energia (re)injectada num tema como Burning Up, recuperado para o alinhamento da Re-Invention Tour. Além do mais, só ela saberia falar da Grande Metrópole (I Love New York, faixa 5) como se pertencesse a um país que ela própria inventou. Arrogância? Não. Apenas a crueldade própria da inteligência.
N.G.: Se Hung Up foi o mote, Confessions On A Dance Floor a sua natural projecção num álbum inteiro. Em parceria com Stuart Price (o cérebro Les Rhythmes Digitales), Madonna assume aqui um reencontro com as duas premissas fundamentais da sua obra musical: fazer pop e fazer dançar. De certa maneira parte de um reencontro com uma lógica de diálogo entre a pop e DJs e produtores associados à música de dança que definiram o rumo do seu histórico álbum de estreia em 1983, fruto evidente de uma vivência no seio de uma nova música que emergia nas noites de Nova Iorque, com vontade de continuar a dançar, na ressaca do disco sound. Não é, por acaso, que frequentemente evoca nomes como os de Patrick Cowley ou Bobby O, figuras-chave desse tempo, e pisca olhos às heranças de um Giorgio Moroder, uma Donna Summer, uns Jacksons… Podia nascer aqui um disco de nostalgia dançarina early 80’s. Mas na verdade, Confessions On A Dance Floor é o disco mais pop de 2005 e em tudo sublinha o seu tempo. Aceita estas heranças de 70 e 80, mas junta-lhes contemporaneidade via assimilações das linguagens mais recentes de uns Daft Punk, Vitalic ou Air. E, claro, a própria identidade electrónica de Stuart Price. Apesar das infusões rítmicas, e das evidentes filiações em diversas estéticas associadas à dance music, o álbum nunca perde de vista a sua primordial identidade pop e a canção assume-se, em todas as faixas, como célula estrutural de toda a ideia.
Sofa Surefers “Sofa Surfers”
N.G.: Poucos projectos musicais têm coragem para travar a fundo, mudar de direcção e voltar a acelerar. É isto o que, apesar de sempre estimulantes e nada instalados, fazem agora os austríacos Sofa Surfers, que arrumam definitivamente no baú do tempo passado os dias de filiação no som que nascia nas noites de Viena em meados de 90. Cedo, é certo, mostraram vontade em divergir do tronco trip hop/downtempo que estigmatizava cada nova banda chegada da velha capital mozartiana. Mas neste seu novo disco levam, mais longe que nunca, essa ânsia de saudável transgressão. E eis que gravam um disco… rock! O dub ainda é subliminar marca de identidade, mas as guitarras, baixo e bateria são quem mais ordena. Belo disco!
Babyshambles “Down In Albion”
N.G.: Apesar de musicalmente banais, os Libertines desempenharam um papel importante num processo de renovação dos hábitos pop/rock na Inglaterra dos últimos anos. Foram catalisadores de acontecimentos, mas deles rezará o futuro como senhores de uma atitude, não necessariamente autores de qualquer disco memorável. Foram dois, apenas medianos. E depois acabou-se. Pete Doherty tenha agora, nos Babyshambles herdar a verve (e também o público e sede mediática para “bife” ler) do seu velho grupo. Usa Wilde e Dickens como caução literária. Os Smiths e The Jam como referências estéticas. Mas na verdade mais não faz que uma derivação inconsequente do ideário punk reciclado dos Libertines. Os Arctic Monkeys já o estão a fazer com mais pujança pop. E os The Rakes e Art Brut já aprenderam as suas melhores lições e seguiram em frente…
Eurythmics “Ultimate Collection”
N.G. Um best of dos Eurythmics. Pois sim, vale a pena evocar uma sólida vida pop da Inglaterra de 80, com grandes feitos assinados entre 1981 e 84, algum desnorte pop de 1985 a 89, e absoluta inconsequência estética no regresso há poucos anos. O best of percorre toda esta aventura. Esquece (por uma lógica de falta de sucesso) os singles do bem interessante e esquecido In The Garden, álbum de estreia em 1981. Começa, assim, o percurso de memórias nos singles de Sweet Dreams e Touch, quando os Eurythmics eram interessante espaço de invenção pop entre as novas electrónicas e sentidos clássicos de composição. Depois segue-se o desvario pop(ular) de meados de 80, entre hinos de estádio e baladas FM, salvando-se pontuais momentos de inspiração pop como Beethoven (todavia ausente do alinhamento). O best of acrescenta dois inéditos I've Got A Life (cruzamento do som "Eurythmics adulto" e discreto com farrapos de memória da fase electrónica de 1983) e Was It Just Another Love Affair (um menos entusiasmante mid tempo r&B).
Gary Numan “Living Ornaments 79” + “Living Ornaments 80” + “Living Ornaments 81”
N.G.: Transformado na primeira estrela pop britânica da era electrónica, Gary Numan transportou para os palcos a força inovadora que o seu determinante segundo álbum The Pleasure Principle (originalmente gravado como Tubeway Army) revelara em 79. Montou espectáculos visualmente dominados por uma cenografia futurista capaz de servir de casa e espaço às suas novas canções e novo som. Entre 1979 e 81 (a sua fase mais interessante e musicalmente consequente) correu palcos e para cada digressão fez nascer um duplo álbum ao vivo. Ei-los pela primeira vez disponíveis entre nós. Têm, em conjunto, interesse documental. Escolhendo apenas um: o de 79 pela coesão do concerto e ligação ao momento da invenção da ideia; o de 81 pelo acumulado de canções em regime best of de um ciclo. Qualquer um deles para mostrar que, contra o que se bradava aos céus, a música electrónica tinha corpo e gerava emoções. Escutem-se as plateias…
A-ha “Analogue”
N.G.: Apesar do regresso em forma em Minor Earth Major Sky, os A-ha são uma entre uma multidão de bandas de outros tempos cuja existência no presente se devia cingir às memórias. Analogue é mais um inconsequente e medíocre conjunto de canções nas quais o grupo parece querer vincar uma ideia de viço criativo ao tomar as guitarras acústicas e piano como instrumentos protagonistas, sintetizadores relegados para segundos planos. Mas o mal não é o dos sons, mas o da composição, que nem nos lados B dos seus singles de meados de 80 era tão banal.
Também esta semana: Moby (DVD), Kasabian (DVD), Abba (integral em caixa de 9 CD e 2 DVD), Nick Cave + Warren Ellis (banda sonora), Eurythmics (discografia remastreizada), ABC (discografia remasterizada e best of + DVD), The Killers (Hot Fuss CD + DVD), Bruce Springsteen (Born To Run, 30th Anniversary Edition), U2 (DVD), Wilco (ao vivo), Stephen Duffy, Lindstrom & Prins Thomas, Kate + Anne McGarrigle (The McGarrigle Christmas)
Brevemente:
21 Novembro: Rolling Stones (Rarities 1971-2003 e A Bigger Bang CD + DVD), Queen (A Night At The Opera, ed. 30 anos), Pedro Abrunhosa (DVD), Madness, Magnétophone, Cass Maccmbs, Patrick & Eugene
28 Novembro: Kaiser Chiefs (DVD), Teresa Salgueiro, Fire Engines, John Zorn Electric Masada, Caribou (DVD), Rufus Wainwright (Want 1 + 2), The Mood Elevator, Sam Shinazzi, Nine Inch Nails (reedição de Pretty Hate Machine)
Dezembro: Da Weasel (ao vivo), John Lennon (DVD), Jens Leckman, Antony And The Johnsons (single), Outkast, Pharell Williams, Kraftwerk (DVD), Pink Floyd (DVD)
Sem data: Camané (DVD), Madredeus (DVD), Amália Rodrigues (3CD antologia), John Lydon (CD + DVD), Maria Teresa de Noronha (caixa)
Para 2006: X-Wife, Cindy Kat, Radiohead, The Strokes, Yeah Yeah Yeahs, Blur, Sparks, Every Move A Picture, White Rose Movement, Pop Dell’Arte (best of), GNR (tributo com bandas hip hop e r&B).
As datas estão sujeitas a alterações. Nem todos os discos referidos têm edição nacional garantida pelas respectivas distribuidoras locais.
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