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Pois bem, aí está Reis e Rainha, de novo sob a direcção de Desplechin, para nos permitir reconhecer Devos em toda a sua grandiosidade: uma espantosa actriz, de genuína vocação melodramática, capaz das mais pequenas nuances emocionais, sempre com aquela vibração de quem não precisa de se impor à câmara porque, afinal, a câmara a adora.
Em todo o caso, seria redutor considerar Reis e Rainha como uma simples (re)descoberta de uma intérprete de excepção. E não só porque a seu lado surgem, por exemplo, o paradoxal (exuberante/contido) Mathieu Amalric e a sereníssima Catherine Deneuve, fazendo da própria serenidade um sinal das convulsões mais secretas. Para além de toda essa gente que é mesmo de carne e osso (de vez em quando, importa não termos medo de ser primitivo e resistir à retórica dos corpos digitais...), Reis e Rainha é também a prova real da importância fulcral de Desplechin: um dos maiores cineastas da França contemporânea, retratista da "vida-de-todos-os-dias" e das coisas sublimes e contraditórias que acontecem sob a capa da normalidade, seja ela conjugal, familiar ou sexual. Vamos ver se se confirmam as promessas da programação de Dezembro — em todo o caso, cinematograficamente, o mês não poderia começar melhor.