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São coincidências a mais? Em todo o caso, é daí que nasce a escrita fulgurante de Lunar Park: uma espécie de deriva autobiográfica, algures entre a paródia e a tragédia em sangue, na qual Ellis se descreve como escritor falhado, marido lamentável e pai ausente, ao mesmo tempo que vive assombrado pelos crimes que ele próprio narrou em American Psycho e pela figura de um pai que decidiu regressar em forma de fantasma... Raras vezes um escritor contemporâneo terá levado tão longe este narcisismo cruel de se ver como personagem interior à violência simbólica da sua escrita, desembocando no despojamento total de todos os desejos e no seu comovente lastro humano — sim, comovente, já que Lunar Park é, em última instância, um prodigioso exercício sobre a incurável vulnerabilidade do género humano e também as muitas mentiras com que, a partir de tal vulnerabilidade, alimentamos a ilusão de construir a nossa «biografia».
Além do mais, num golpe de génio, Ellis resolveu de uma vez por todas o problema de como lidar com aquela medíocre pergunta jornalística: «Na sua obra, que partes são autobiográficas?». A resposta é clara: «Todas as partes.» Next.