Se há filmes capazes de condensar um mundo — e não uso a palavra de forma ligeira: é mesmo um mundo —, A Regra do Jogo (1939), de Jean Renoir, é um desses filmes. Rodado nos meses anteriores à eclosão da Segunda Guerra Mundial, por ele perpassa a sensação apocalíptica de algo que estava a acabar. "Algo", quer dizer: um modo de viver, pensar e sentir cujas raízes estavam ainda no romanesco do século XIX; um sistema de diferenças (isto é, classes) que nas suas contradições e ilusões, mas também nas suas ambíguas alegrias, ia ser triturado pela idade moderna, pela sua destruição, morte e metódica decomposição do humanismo clássico.
Provavelmente, não é possível conhecer as mágoas internas do nosso admirável mundo novo sem saber da construção do Muro de Berlim (ou, ironicamente, da destruição do... Muro de Berlim). Mas importa recuar a 1939 e tentar perceber como nós já lá estávamos — nós e tudo o que nos faz seres com história, seguidores e traidores das memórias que herdámos. Talvez seja importante acrescentar que A Regra do Jogo é uma comédia, uma comédia humana. Balzac não levará a mal.
* Cinemateca: sábado, dia 10, às 19h00