quinta-feira, março 05, 2020

Oded Tzur: saxofone, revelação e mistério

Oded Tzur: nascido em Telavive, sediado em Nova Iorque, eis um saxofonista que elabora as suas composições como verdadeiras narrativas, sugerindo um processo de deambulação e descoberta, revelação e mistério. Assim é a sua estreia no catálogo ECM, Here Be Dragons, contando com a companhia de Nitai Hershkovits (piano), Petros Klampanis (contrabaixo) e Johnathan Blake (bateria). Eis o tema-título; em baixo, uma performance de Tzurkauns, do álbum Like a Great River (Yellowbird, 2015).



Bernard-Henry Lévy
— à procura da Europa

"Eu quero que, na Europa, ultrapassemos (...) o paradigma nacional", diz Bernard-Henri Lévy. Eis uma frase precisa e contundente que, em qualquer caso, não deixa de ser vulnerável às mais diversas apropriações, por vezes distorcendo o pensamento que a gera. Precisamente para a enunciar, pensar e partilhar, BHL escreveu Hôtel Europe, drama teatral centrado numa "princesa Europa" ameaçada pela leviandade de algumas ideias, fragilizando a possibilidade de uma Ideia aglutinadora, diversa, aberta à diversificação.
Foi em 2014. Depois, ao longo de vários anos (até à realização das eleições europeias, em maio de 2019), Hôtel Europe transfigurou-se em Looking for Europe, performance que BHL assumiu enquanto actor do seu próprio texto, representando-o nas "capitais de espírito europeu", de Kiev a Paris, passando por Bruxelas, Viena ou Lisboa (com uma derivação por Nova Iorque).
Reescrevendo o texto para cada uma das cidades, o autor criou um fascinante palimpsesto que pode ser conhecido através de uma edição especial da revista que ele próprio dirige, La Règle du Jeu (nº 69/70, Setembro 2019). Em jogo está essa dialéctica do nacional e do continental, vista a partir de um lugar francês, assim resumida na versão original de Hôtel Europe:

>>> Se há uma "identidade" que não está a funcionar, não será aí que a encontramos: a identidade, não da França, mas da Europa? É curioso que ninguém o diga. É curioso que nos encham com a "identidade nacional em perigo" quando é do lado da Europa que as coisas se estão a afundar.

>>> Entrevista sobre Looking for Europe [BFMTV, 01-03-2019].

Godard no Criterion Channel

Anna Karina e Jean-Luc Godard
— rodagem de Viver a sua Vida (1962)
A obra de Jean-Luc Godard tem uma presença importante nas edições em DVD da Criterion. Agora, o respectivo serviço de streaming, Criterion Channel, programou um ciclo de títulos Directed by Jean-Luc Godard — o video promocional é um admirável minuto de sensações godardianas.

terça-feira, março 03, 2020

Haim: nova canção, novo álbum

Agora já é oficial: as Haim têm um novo álbum, Women in Music Pt. III, a ser lançado no dia 24 de Abril. Depois das canções Summer GirlNow I'm in It e Hallelujah, aí está The Steps, ainda e sempre com realização de Paul Thomas Anderson — tão simples que parece simples.

segunda-feira, março 02, 2020

"Once in a Lifetime" — 40 anos

Pop. Rock. Funk. Punk. New wave. Pós-punk. Dança. Rótulos não nos faltarão, cada um deles tão preciso quanto insuficiente. Digamos, para simplificar, que Once in a Lifetime é uma das grandes canções do século XX. Lançada há quase 40 anos (Outubro 1980) no álbum Remain in Light, dos Talking Heads, reaparece ciclicamente nas performances de palco de David Byrne. Desta vez em espaço televisivo, mais precisamente no Saturday Night Live, da NBC — cruzando memórias do teledisco e da versão do filme clássico de Jonathan Demme, Stop Making Sense.

A IMAGEM: Weegee, 1951

WEEGEE / Magnum
Bilhete de lotaria
Nova Iorque, 1951

Olivier Assayas
— as emoções estão nas palavras

Juliette Binoche e Guillaume Canet
Discípulo de alguns mestres clássicos do cinema francês, Olivier Assayas regressa com Vidas Duplas, um belo filme melodramático que tem o mundo dos livros como pano de fundo — este texto foi publicado no Diário de Notícias (27 Fevereiro).

É caso para dizer: quem sabe, sabe... Olivier Assayas (65 anos, nascido em Paris) há muito se afirmou como um caso exemplar de um cinema francês que sabe manter-se fiel às suas tradições, nomeadamente a essa capacidade dramática — e, sobretudo, melodramática — de encenar destinos aparentemente vulgares, acabando por expor as singularidades humanas das respectivas personagens. Assim volta a acontecer em Vidas Duplas, produção revelada no Festival de Veneza de 2018, agora lançada nos ecrãs portugueses.
Ciclicamente, Assayas tem tentado derivações, a meu ver não muito felizes, por exemplo nos terrenos do chamado “filme de época” (Destinos Sentimentais, 2000), ou em ambientes mais ou menos fantásticos ou fantasistas (Personal Shopper, 2016). No caso de Vidas Duplas, reencontramo-lo na dupla condição de argumentista e realizador, numa via mais conservadora, retomando o gosto “psicológico” que também marcava um título como Tempos de Verão (2008), a meu ver um dos melhores da sua filmografia.
Tudo acontece, então, num universo de casais, tendo por pano de fundo o mundo da edição de livros. Guillaume Canet e Juliette Binoche, ele editor, ela actriz, definem um par enredado em diversas formas de infidelidade; ao mesmo tempo, a actividade do editor faz com que um dos dramas culturais do nosso tempo — a coexistência das formas clássicas de impressão em papel com os novos suportes digitais — atravesse todas as situações, instalando a sensação melancólica de que assistimos ao fim de um universo específico de relações humanas e formas de trabalho.
Como sempre, Assayas revela-se um cineasta empenhado em valorizar o labor dos actores. E se é verdade que Canet e Binoche são exemplares de subtileza, ironia e auto-ironia, não é menos verdade que Vincent Macaigne, noutros casos enredado em estereótipos caricaturais, revela aqui uma subtil densidade emocional.
Aliás, pode dizer-se que Vidas Duplas é um filme em que a exposição das emoções passa sempre pela espantosa energia dos diálogos. Não estamos perante um cinema de efeitos especiais, confundindo a acção com o número explosões que vemos nas imagens... Nada disso: aqui, a acção está nas palavras e é absolutamente vertiginosa. E se é verdade que Assayas pode ser considerado um discípulo de autores franceses como Jean Renoir ou François Truffaut, não é menos verdade que, desta vez, é a herança de Eric Rohmer (um mestre da escrita de diálogos) que contamina a sua visão do mundo.

domingo, março 01, 2020

London Symphony Orchestra
— à beira de um vulcão

Dançando à beira de um vulcão... Eis como o maestro Simon Rattle resume as propostas da temporada 2020/21 da London Symphony Orchestra (de que ele é o director musical), que será especialmente orientada para a música da primeira metade do século XX. O lema serviu de pretexto um belo video promocional — a coreografia é de Ella Robson; a música pertence ao final de A Sagração da Primavera, de Igor Stravinsky.

O iraniano Mohammad Rasoulof
vence Festival de Berlim

Berlim, 29-02-2020
Um cineasta e o seu prémio — eis uma foto de tocante energia simbólica: impedido de se deslocar a Berlim pelas autoridades do seu país, o iraniano Mohammad Rasoulof arrebatou o Urso de Ouro da 70ª edição do certame com There Is No Evil ["O mal não existe"], um conjunto de quatro histórias sobre a pena de morte no Irão [trailer].
Never Rarely Sometimes Always, de Eliza Hittman (EUA), recebeu o Grande Prémio do Júri, enquanto The Woman Who Ran valeu a Hong Sang-soo (Coreia do Sul) a distinção de melhor realizador — palmarés integral disponível no site do festival.