quinta-feira, setembro 17, 2015

Grunge, dizem eles e elas

Eles são Steve Lack (baixo) e Jim Shapiro (bateria); elas Louise Post e Nina Gordon (ambas em guitarra e vozes) — os Veruca Salt, que se estrearam em 1994 com o magnífico American Thighs, são uma banda de Chicago que assumiu a herança do grunge num tempo ainda marcado pelas convulsões próximas dos Nirvana. Abreviando a história, digamos que, depois do segundo álbum, Eight Arms to Hold You (1997), a formação inicial se dispersou. Para se reencontrar agora, com Ghost Notes. São fantasmas, por certo, de um período cuja energia continua a guiar a criatividade deste quarteto de Chicago — eis duas canções emblemáticas, com títulos tentadores, para testar a passagem do tempo: The Gospel According to Saint Me (lyric video) e The Museum of Broken Relationships.



O futebol contra a língua portuguesa (cont.)

E a saga continua... Aliás, alaga como um oceano de lava destruidora. Como se não bastassem os atropelos à língua portuguesa perpetrados no futebol televisivo, o espaço nobre dos jornais parece não querer ficar atrás. Observe-se este exemplo extraído do jornal A Bola. Que dizer de (mais) esta utilização do infinito de um verbo, como se não houvesse construções gramaticais que garantissem a identificação da própria acção?... Talvez que Quim Machado tivesse dito que "é preciso provar que...". Ou talvez se pudesse esclarecer que "é esse o desejo de Quim Machado...".
Claro que há os erros que todos cometemos, por vezes ficando chocados com a maneira como, inadvertidamente, tratamos a língua portuguesa (eu fico, confesso). Mas fenómenos como este correspondem à instalação de uma indiferença que, antes do mais, devia ser combatida pelas orientações editoriais — somos, assim, compelidos a viver no tempo trágico da unicidade verbal.
Chegar o tempo em que tudo ser tristemente uniforme, a ponto de todos falar num só tempo verbal?

Woody Allen: as mulheres e os homens (1/3)

A estreia de Homem Irracional relança-nos no labirinto do masculino/feminino, fulcral na dinâmica dramática de todo a obra de Woody Allen — este texto foi publicado no Diário de Notícias (15 Setembro), com o título 'Homens e mulheres assombrados por verdades e mentiras'.

É bem verdade que associamos a obra do realizador Woody Allen à presença do actor Woody Allen. Há razões fortes para que tal aconteça, a começar pelo facto de muitas das suas personagens, mesmo não sendo explicitamente autobiográficas, espelharem, de forma literal ou perversa, as suas ideias e sensibilidade. Em todo o caso, não deixa de ser curioso referir que, dos quinze títulos que já dirigiu no século XXI, de A Maldição do Escorpião de Jade (2001) a Homem Irracional (2015), Woody Allen apenas tenha surgido em cinco deles (a última vez ocorreu em 2012, com Para Roma com Amor).
Provavelmente, podemos dizer que muitos dos seus protagonistas masculinos são derivações, ora dramáticas, ora paródicas, de um padrão que terá estabelecido em 1977, com Annie Hall. Ao interpretar Alvy Singer, um actor que tenta reencontrar o equilíbrio afectivo com a personagem de Annie Hall (Diane Keaton), Woody Allen condensa uma atitude existencial que nasce de uma espécie de pragmatismo sarcástico face às agruras da existência.
A certa altura, Alvy diz a Annie: “Sinto que a vida está dividida entre o horrível e o miserável. São duas categorias. O horrível está, sei lá, nos casos terminais, pessoas cegas, estropiadas. Não sei mesmo como é que conseguem viver. É qualquer coisa que me espanta. Os miseráveis são todos os outros. Por isso, deves agradecer o facto de ser miserável, porque ser miserável é ter muita sorte”. Não parece que Annie tenha a mesma visão de Alvy. Há mesmo uma cena, na Califórnia, em que ela se mostra encantada com o ambiente: “Aqui é tudo tão limpo”. Mas nada disso comove Alvy: “Isso é porque eles não deitam fora o lixo, despejam-no nos programas de televisão”.
As mulheres dos filmes de Woody Allen são, quase sempre, um eco ambíguo dos silêncios e assombramentos que circulam pelo universo dos homens. Intimidade (1978), por certo a sua mais explícita homenagem ao mestre Ingmar Bergman, é especialmente revelador. Centrado no divórcio de um casal já na terceira idade (E. G. Marshall/Geraldine Page), o filme observa as reacções das três filhas adultas, interpretadas por Diane Keaton, Kristin Griffith e Mary Beth Hurt, cada uma delas projectando nos pais as atribulações das suas próprias histórias emocionais.
Dir-se-ia que a obra de Woody Allen se expõe à possibilidade de ser lida através das mulheres que partilharam a sua intimidade, quanto mais não seja porque na sua obra há, de facto, um período Diane Keaton e outro centrado em Mia Farrow. Aliás, este último desemboca num filme de sofisticada crueldade, Maridos e Mulheres (1992), que na altura do seu lançamento não pôde deixar de suscitar paralelismos com a separação do par Allen/Farrow (também em 1992).
Ainda assim, evitemos as típicas grosserias do mediatismo “cor de rosa”: se há algo de confessional na obra de Woody Allen, não é no plano mais ou menos picaresco das “peripécias”. Se os seus heróis masculinos, mesmo os mais divertidos, podem tender para uma dilaceração criminosa (observe-se a complexa e perturbante personagem de Joaquin Phoenix que justifica o título Homem Irracional), há nas suas principais personagens femininas uma capacidade de distanciamento que, pelo menos até certo ponto, lhes confere o papel de consciências morais (reais ou ilusórias) dos homens com quem convivem.
Isso é particularmente nítido nos seus mais complexos filmes “corais” (em que assistimos ao cruzamento de muitas histórias interligadas, sem que uma se sobreponha a qualquer outra), com destaque quase inevitável para o fascinante Ana e as Suas Irmãs (1986), protagonizado por Mia Farrow, Barbara Hershey e Dianne Wiest. Aí encontramos um novo trio de irmãs enredadas numa teia de verdade e mentira, não apenas com os homens, mas também entre si. Woody Allen filma-as ainda com alguma crença na transparência das relações humanas, embora também com o cepticismo de quem não cultiva ilusões redentoras. Como ele próprio diria, numa das suas máximas mais desencantadas: “Confiança é o que temos antes de ter compreendido o problema”.

A IMAGEM: Patrice Chappatte, 2015

PATRICK CHAPPATTE
Chegada à Europa
New York Times, 15 Set. 2015

Capela Sistina vs. Lego

Entre os muitos e fascinantes anúncios que a agência Jung von Matt, de Hamburgo, tem criado para a Lego inclui-se esta recriação da "Criação de Adão", composição que integra o tecto da Capela Sistina, pintado por Miguel Ângelo entre 1508 e 1512 — ou como a história (não) se repete.

quarta-feira, setembro 16, 2015

Sob o signo de Shyamalan (2/2)

M. Night Shyamalan está de regresso ao seu melhor, com A Visita, um filme construído a partir de imagens registadas pelas próprias personagens principais — este texto foi publicado no Diário de Notícias (10 Setembro), com o título 'Jogo de espelhos'.

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Com os nossos olhares todos os dias agredidos pelo “naturalismo” televisivo, A Visita não se esgota enquanto acontecimento cinematográfico — é um verdadeiro objecto de resistência. A quê? Pois bem, à chantagem moral segundo a qual devemos aceitar como inquestionável a “transparência” do audiovisual. Ao construir o seu filme através das imagens (e sons) que os seus jovens heróis obtêm através das respectivas câmaras, M. Night Shyamalan monta um verdadeiro jogo de espelhos que nos leva a reavaliar duas verdades muito antigas, hoje em dia frequentemente menosprezadas, ou tidas mesmo como escandalosas: primeiro, que representar o mundo é também uma forma de o pensar; segundo, que aquilo que vemos, avaliamos e interpretamos como evidente ou racional não passa de uma das infinitas possibilidades de figuração desse mesmo mundo (como diz a linguagem cinematográfica, quase sempre ignorada pelos dispositivos televisivos, há sempre um mais além da imagem que está “fora de campo”).
Contra a desvalorização corrente de qualquer forma de pensamento, importa acrescentar que, ao explorarem as fronteiras da complexa vida das imagens (e sons), autores como Shyamalan não estão a fazer “tese” para abrilhantar programas “culturais”. Nada disso. Há neste cinema um humor genuíno e radical que, no essencial, procura desafiar o espectador para o prazer de pensar — como sabemos, esse prazer faz medo.

Mark Zuckerberg no país do "like"

> De acordo com notícia publicada no New York Times, Mark Zuckerberg, co-fundador e director executivo do Facebook, admitiu publicamente que o botão "like" pode não ser suficiente para exprimir um ponto de vista sobre um determinado assunto. Exemplo? A "crise dos refugiados". Ah...

> Ainda bem que temos tão preciosa ajuda para conhecermos o mundo à nossa volta. Drasticamente limitados na capacidade de pensar, ficámos assim a saber que talvez, quem sabe, porventura, talvez haja outras maneiras de nos relacionarmos com os factos da vida... Ou seja, "é importante dar às pessoas mais opções para além do like" — Zuckerberg dixit.

> Mas como? Como superar a perturbação gerada nas nossas limitadas mentes por tão revolucionária descoberta? Como? Na sua vigilante magnitude, Zuckerberg já deixou uma pista. Ou seja: o Facebook está a avaliar a possibilidade de criar um botão que corresponda a... "dislike"!!!

> Nem tudo está perdido! É bom saber que estamos protegidos por uma mente superior a que só podemos exprimir um "like" vitalício.

> E se houver uma terceira maneira de nos relacionarmos com um determinado assunto? Quem sabe, uma quarta ou uma quinta?... Zuckerberg está vigilante e, a seu tempo, encontrará uma solução capaz de garantir que tenhamos sempre um botãozinho disponível, evitando usar essa coisa perniciosa, nada social, que é a inteligência.

terça-feira, setembro 15, 2015

Leonel Vieira contra Orson Welles

O MUNDO A SEUS PÉS (1941)
De que falamos quando falamos de O Pátio das Cantigas? Da "crítica"? Dos CTT? Da cerveja Sagres? Ou apenas dessa coisa bizarra que dá pelo nome de cinema? — este texto foi publicado no Diário de Notícias (13 Setembro).

E reencontramos O Pátio das Cantigas. Valerá a pena dizer alguma coisa a propósito das considerações de Leonel Vieira sobre aquilo que ele chama a “crítica”? (Notícias Magazine, 6 Set.). Creio que sim, quanto mais não seja porque assistimos à renovação de um discurso de difamação pessoal que, no plano profissional, conheço há mais de 40 anos.
Quando um realizador de um filme que já teve meio milhão de espectadores aplica esse número como um argumento para denegrir o pensamento de “quatro ou cinco pessoas” (sic) que formularam juízos de valor negativos sobre o seu trabalho, o que se procura é apenas desvalorizar o acto de pensar. Na prática, o sistema mental de Leonel Vieira confere legitimidade a mim e a Jorge Leitão Ramos (somos os dois citados na pergunta que lhe foi colocada) para aplicar o mesmo modelo de silogismo. Poderia, por exemplo, referir os leitores que me vieram dizer: “Gostei muito do que escreveu — que péssimo filme!” Será que é esse tipo de chicana que ele tenta protagonizar e, sobretudo, generalizar?
Considerando eu que O Pátio das Cantigas é um descendente directo da banalidade de linguagens que, desde 1977, tem sido imposta à maioria dos cidadãos/espectadores através do domínio narrativo e financeiro das telenovelas, seria também importante esclarecer se 2 ou 3 milhões de espectadores medidos em cada noite são suficientes para relegar o meu pensamento para o reino da estupidez.
Como alguns outros cineastas portugueses, a Leonel Vieira não basta a boa performance comercial do seu trabalho. Aparentemente, só ficaria satisfeito se todos os que se exprimem no domínio público se regessem pela mesma atitude difamatória. Ninguém lhe perguntou, por exemplo, se a promoção de O Pátio das Cantigas através de vouchers familiares adquiridos nos CTT é uma proposta para resolver os complexos problemas de produção do cinema português. Como ninguém especulou sobre a justeza narrativa da monumental proliferação de garrafas de cerveja Sagres nas imagens do filme. Seria interessante, ou pertinente, afunilar as ideias nesse sentido?
Pessoas como Leonel Vieira parecem querer sugerir que a vitalidade social (do cinema ou de qualquer outra actividade criativa) resulta de fenómenos de absoluta homogeneidade de postura e pensamento. É uma pobre utopia, tipicamente televisiva. Eu vivo bem com o facto de O Pátio das Cantigas render nas bilheteiras — aliás, há décadas que digo e escrevo que a reconstrução de uma massa regular de espectadores nas salas deve ser uma prioridade do mercado.
Mas não escrevo na qualidade de técnico de contas. De acordo com o discurso de Leonel Vieira, um dia destes alguém vai querer obrigar-me a dizer que O Mundo a Seus Pés (1941), de Orson Welles, é um mau filme porque foi um apoteótico falhanço comercial. Desculpem, mas isso não... O que não me impede de defender o direito de Leonel Vieira fazer e refazer O Pátio das Cantigas como muito bem entender.

A tradição segundo Gary Clark Jr.

Nascido em 1984, sediado em Austin, Texas, o guitarrista, compositor e cantor Gary Clark Jr. é um caso muito sério de relação criativa com uma tradição plural: as suas raízes estão no território imenso do blues, mas não o impedem, bem pelo contrário, de colher inspiração no R&B, soul, rock & roll & etc., dando agora origem ao magnífico The Story of Sonny Boy Slim — para ver e ouvir, eis o teledisco de Church, dirigido por Danny Clinch.

Cartazes... quais cartazes?

Primeiro, foi a discussão em torno dos cartazes do PS. Em boa verdade, tal discussão mascarava a falta de criatividade que une na mesma sensaboria a existência visual dos partidos políticos.
Agora, circulando pelas nossas ruas, a poluição iconográfica assalta-nos de todos os lados, com cartazes que, além de parecerem noticiar tempos remotos do século passado, conseguem ser menos inventivos que as mais correntes campanhas dos hiper-mercados — como se todos eles tivessem sido feitos pela mesma agência internacional de "comunicação", promovendo o consumo para além de qualquer fronteira... Aliás, hoje em dia, perante a esmagadora maioria das "acções" que por aí andam, passou a ser claro que, salvo honrosas excepções, para políticos e publicitários "comunicar" é apenas o nome de um gadget.