sexta-feira, julho 25, 2025

Jon Stewart
— a televisão que pensa

"Precisamos de humanos que continuem a fazer coisas que inspirem e provoquem outros humanos" — eis uma forma radical, radicalmente política, radicalmente poética, de dizer o que é, o que pode ser, viver numa sociedade que não ceda aos ditames dos que nos querem instrumentalizar.
Este é Jon Stewart, em The Daily Show, a lidar com a América de Donald Trump (aliás, com a inquietante refundação da América comandada por Trump) e também a avaliar o significado e as consequências do anúncio, por parte da CBS, do cancelamento do seu amigo Stephen Colbert, "por razões financeiras", de The Late Show (aliás, do cancelamento, em maio de 2026, do próprio programa).
Eis o que pode ser uma maneira de fazer televisão que não tenha medo de pensar — pensar ou não pensar, eis a questão universal.

quarta-feira, julho 23, 2025

Na solidão de Ingmar Bergman

Persona (1966): Liv Ullmann no papel de Electra

Como escrever sobre os filmes de Bergman? Como desafiar os limites da própria crítica? Talvez em forma poética — este texto foi publicado no Diário de Notícias (11 julho).

Num misto de encanto e distanciamento, como quem consulta um tratado que escapa às regras comuns dos tratados, descubro o livro O Desembarque das Ondas, publicação da Livraria Linha de Sombra Editora, de João Coimbra de Oliveira (sendo essa também a designação do espaço de livros e cinefilia que podemos visitar no andar de cima da Cinemateca Portuguesa). Descoberta algo tardia, é verdade, já que se trata de uma edição de novembro de 2024, motivada por um evento de 2018.
Recapitulando. Em 2018, precisamente, decorreu em Lisboa, no Cinema Nimas, um ciclo da Medeia Filmes a assinalar o centenário de Ingmar Bergman (1918-2007). Foram dirigidos convites a vários autores portugueses que, depois de verem ou reverem os filmes programados, em prosa e sobretudo poesia, escreveriam a partir da sua experiência. O número de contribuições foi-se alargando e o resultado é esta antologia com mais de 70 autores. Não exactamente “sobre” o cineasta, antes aplicando a escrita como aventura, questionamento e, por fim, oferenda — daí o subtítulo: “Antologia para Ingmar Bergman”.
Entenda-se: “para” Bergman significa escrever “com” Bergman, num atrevimento afectivo de que as palavras são o instrumento, a matéria e, por fim, o texto. Trata-se de seguir os caminhos ínvios dessas mesmas palavras, já que, como nos ensinou Roland Barthes, a escrita é “a ciência das fruições da linguagem”. No seu texto, António Cabrita aponta o extremismo poético de tudo isso, fixando-se no silêncio de Liv Ullmann em Persona (1966), ela que interpreta uma actriz que “perde” a voz, em palco, ao representar a personagem de Electra: “Um dia, em Electra, viu que estava / no palco errado. Como retribuir / o silêncio do público, enganando-o?”
Com o seu título “roubado” ao poema de Daniel Jonas, O Desembarque das Ondas organiza-se — ou desorganiza-se, mas vai dar ao mesmo — como um desafio a esse assombramento primitivo do cinema: na sua vibração, as imagens tendem a anular a “necessidade” das palavras, o que, bem (ou mal) entendido, não nos faz desistir de falar sobre os filmes.
Creio que é algo dessa contradição muito humana que está no poema de Helga Moreira: “Onde nem distraída se instala a fala. / O desamparo fecha-nos a boca / põe no olhar, no sorriso, legendas.” E também na pergunta/resposta que O Sétimo Selo (1957) suscita a Hélia Correia: “E quem assiste ao jogo? A morte assiste.” Ou ainda na proclamação ambígua com que Pedro Mexia começa a sua evocação de Luz de Inverno (1963): “O mundo está cheio / da glória de Deus.”
Vale a pena acrescentar que tudo isto envolve uma revalorização daquilo que no discurso crítico sobre os filmes procura, não “explicá-los”, antes caminhar com eles, enfrentando as perplexidades e os silêncios que habitam as suas imagens e sons. Neste tempo marcado pela miséria intelectual de muitos “influencers”, tratando os filmes como “fast food”, eis o cinema, aliás, as artes celebradas como origem e cenário de uma “reacção em cadeia”. Que acontece, então? Gera-se uma “nuvem de estilhaços que transportam um pouco do fogo original e se tornam eles próprios no fogo original de outros estilhaços” (cito o prefácio de Luís Miguel Oliveira).
São ideias que recusam as generalizações fáceis, a começar pela que insiste em definir “a” crítica como uma entidade compacta, em forma de rebanho. Muito pelo contrário, o trabalho crítico acontece através das infinitas diferenças que expõe e, na melhor das hipóteses, coloca em feliz coabitação dialéctica — estão em jogo componentes que “são únicas, pessoais e tendencialmente intransmissíveis” (como escreve Joana Matos Frias no seu posfácio). A obra de Bergman, justamente, tem o poder de nos confrontar com a verdade das nossas solidões.

terça-feira, julho 22, 2025

Superman
— tempos difíceis para os super-heróis

David Corenswet: como assumir a herança de Christopher Reeve?

Com o novo Superman, dirigido por James Gunn, a DC Comics aposta no relançamento da personagem central do seu património de super-heróis. Infelizmente, os efeitos gratuitos e a ostentação tecnológica contrariam o equilíbrio do espectáculo — este texto foi publicado no Diário de Notícias (10 julho).

Uma parte significativa do melhor cinema do mundo continua a provir dos EUA — lembremos apenas o exemplo de 2024, ano de filmes tão brilhantes como Megalopolis (Francis Ford Coppola), Juror #2 (Clint Eastwood) e Joker: Loucura a Dois (Todd Phillips). Mas há um importante sector de Hollywood que permanece “encravado” em matrizes de espectáculo saturadas por sequelas e variações sem imaginação. Falamos, claro, das rotinas de muitos super-heróis... Entretanto, aí está mais um Superman, dirigido por James Gunn, com distribuição da Warner Bros.
Estamos perante uma aposta da DC Comics (e dos seus DC Studios) no sentido de relançar a personagem de Superman, “jóia da croa” da DC desde o aparecimento da sua primeira edição em BD, no nº 1 do magazine Action Comics, publicado a 18 de abril de 1938. Em termos de popularidade, o seu maior rival é o Homem-Morcego cujo título mais recente — The Batman (2022), de Matt Reeves, com Robert Pattinson — era, de facto, um objecto de contagiante energia.
Agora, o herói proveniente do planeta Krypton, de nome Kal El, a viver entre os humanos, na cidade de Metropolis, com a identidade de Clark Kent, jornalista do Daily Planet, não parece estar em momento feliz. Ambição não terá faltado a esta nova produção, quanto mais não seja porque se trata de regressar ao “começo” da história de Superman/Kent (“It begins”, diz mesmo a frase de um dos cartazes oficiais).
Depois de algumas legendas de abertura esforçadamente irónicas, resumindo os milhares de anos de vida (e morte) de Krypton e a salvação de Kal El, enviado pelos pais para o planeta Terra, deparamos com Superman prostrado na neve, depois de um combate perdido. Quem o salva é o seu cão, o hiper-activo Krypto — e se dissermos que a exuberância do “quatro-patas” é a coisa mais interessante (e também mais divertida) de todo o filme, eis um sintoma esclarecedor das limitações do projecto.
Ao contrário de outras aventuras de Superman, até mesmo o namoro entre Clark Kent e Lois Lane (colega de redação no Daily Planet) foi “liofilizado”: desde o primeiro momento, ela conhece o “alter ego” de Kent. Aliás, num dos trailers da promoção, o marketing dá-se ao luxo de divulgar a imagem do seu beijo no final do filme. O que diz bem da mentalidade “criativa” que sustenta uma produção deste género: não se trata de surpreender o espectador, mas de o convidar a ir ver aquilo que já sabe que vai ver...
Não admira, por isso, que se vá menosprezando qualquer consistência dramática. Dir-se-ia que a DC quer imitar as piores proezas da Marvel, “inventando” derivações mais ou menos estapafúrdias, do “buraco negro” ao serviço do malvado Lex Luthor até ao monstro que alguns patéticos efeitos especiais (?) colocam aos urros numa praça de Metropolis...

Memórias de 1978

São tempos difíceis de um modelo de cinema que trocou a vibração humana pela ostentação da tecnologia. O que é tanto mais frustrante quanto a escolha de David Corenswet e Rachel Brosnahan (como Clark Kent e Lois Lane, respectivamente) não deixa de evocar as imagens de Christopher Reeve e Margot Kidder no belo filme realizado por Richard Donner em 1978, também intitulado Superman, capítulo primeiro da era moderna deste super-herói na máquina de Hollywood (com música de John Williams, já agora...).
O curioso diálogo que travam na primeira parte do filme, no apartamento de Lois, sugere que este Superman talvez pudesse ser um filme realmente sobre personagens, não uma coleção de efeitos gratuitos que nem sequer sabe tirar partido da grandeza física do ecrã IMAX. Isto para não falarmos do regresso do 3D (e respectivos óculos), recurso gratuito num filme em que ninguém parece ter pensado nas questões básicas de composição do espaço e encenação do movimento.

Brad Mehldau revisita a herança de Elliott Smith

Bela capa! Com lançamento marcado para 29 de agosto, Ride into the Sun, o novo álbum de Brad Mehldau tem como referência principal a herança musical de Elliott Smith (1969-2003). Eis um belíssimo cartão de visita: Better Be Quiet Now (em baixo, o registo pertencente ao álbum Figure 8, de 2000, o derradeiro lançado em vida de Smith).
 


Guitarra & Voz [4/10]

JONI MITCHELL
Both Sides Now

Gravada no álbum Clouds (1969), é uma das canções mais emblemáticas de Joni Mitchell — o seu título serviria para designar, no ano 2000, um outro álbum que corresponde a uma revisitação das suas referências e influências. Neste caso, redescobrimo-la, em 1970, no Festival da Ilha de Wight.


[ Ryan Adams ] [ David Fonseca ] [ Bruce Springsteen ]

Made in USA, 1980-1989

Pop mais pop não há... Com chancela da editora independente Grapefruit Records [distribuição Cherry Red] eis I Wanna Be a Teen Again: American Power Pop, 1980-1989, uma antologia para revisitar a imensa, exuberante e épica vertente da música popular made in USA ao longo década de 80.
Aqui ficam três aperitivos de uma ementa de 78 canções: I Want Ya, Jessie's Girl e If You Want My Love, respectivamente por The Knack, Ricky Springfeld e Cheap Trick.
 




segunda-feira, julho 21, 2025

Donald Trump contra a imprensa [citação]


>>> Trump has long derided what he dubs “the fake news,” and he has famously called the press “the enemy of the people.” In the 10 years since he announced his first run for president on June 16, 2015, Trump has written nearly 3,500 social media posts that attack the press, according to an analysis by the not-for-profit Freedom of the Press Foundation.

Over the course of a decade, that’s roughly one per day.

But defenders of free speech have raised alarms about Trump’s recent lawsuits against media companies — which legal analysts have called baseless — and his willingness to use the power of the federal government to punish perceived adversaries. They see the unwillingness of Paramount and Disney to defend their First Amendment rights as a dangerous precedent that will only embolden Trump and his allies to push even harder against a free press.

“‘Attacking the press’ is too weak a phrase,” says Jameel Jaffer, executive director of the Knight First Amendment Institute at Columbia University. According to Jaffer, the goal of Trump’s anti-media efforts “appears to be to make the government the only source of information and authority in our society. It sounds crazy to say it because we have never seen this in American history.”

TODD SPANGLER
'Defeat the Press: How Donald Trump’s Attacks on News Outlets
Undermine the First Amendment'
Variety (16 julho)

domingo, julho 20, 2025

Pearl Jam, 2009

* JUST BREATHE

Yes, I understand
That every life must end
As we sit alone
I know someday we must go

Oh, I'm a lucky man
To count on both hands
The ones I love
Some folks just have one
Yeah, others they got none

Stay with me
Let's just breathe

Practiced all my sins
Never gonna let me win
Under everything
Just another human being

Yeah, I don't want to hurt
There's so much in this world
To make me bleed

Stay with me
You're all I see

Did I say that I need you?
Did I say that I want you?
Oh, if I didn't, I'm a fool, you see
No one knows this more than me
As I come clean

I wonder every day
As I look upon your face
Everything you gave
And nothing you would take
Nothing you would take
Everything you gave

Did I say that I need you?
Oh, did I say that I want you?
Oh, if I didn't, I'm a fool you see
No one knows this more than me
As I come clean

Nothing you would take
Everything you gave
Hold me 'til I die
Meet you on the other side

Emma Smith + jazz + pop

A britânica Emma Smith pertence às nuances do jazz, não sendo estranha às transfigurações da pop. Assim é o seu novo álbum, Bitter Orange, uma aventura pelo país dos standards, seus eternos fascínios e enigmas — para ver e ouvir, eis Make it Another Old Fashioned, Please.
 

sábado, julho 19, 2025

Alan Bergman (1925 - 2025)

Marilyn e Alan Bergman com os Oscars ganhos por Yentl (9 abril 1984)

Com uma carreira pontuada por algumas canções lendárias do cinema americano, Alan Bergman faleceu na sua casa de Los Angeles, poucas semanas antes daquele que seria o seu 100º aniversário — texto publicado no Diário de Notícias (18 junho).

Ao longo da história de mais de seis décadas de canções nos filmes de Hollywood, Alan Bergman simbolizou um estilo feliz que nunca abandonou os valores clássicos próximos de um genuíno romantismo. Nascido a 11 de setembro de 1925, em Nova Iorque, morreu na quinta-feira, dia 17, na sua casa de Los Angeles — faltavam, portanto, menos de dois meses para completar 100 anos.
O seu legado é indissociável da colaboração com Marilyn Bergman, sua mulher, falecida em 2022. No Calor da Noite (1967), de Norman Jewison, um policial protagonizado por Sidney Poitier, foi o filme que lhes abriu as portas dos grandes estúdios. Entre os títulos a que a sua parceria está ligada incluem-se O Juiz Roy Bean (1972), um “western” de John Huston, com Paul Newman, Tootsie (1982), comédia de costumes de Sydney Pollack centrada numa das melhores interpretações de Dustin Hoffman, e Nunca Mais Digas Nunca (1983), uma aventura (não oficial) de James Bond, com Sean Connery sob a direcção de Irvin Kershner.
Em qualquer caso, os trabalhos mais célebres do casal Bergman são aqueles que lhes valeram Oscars. Ou seja:

— THE WINDMILLS OF YOUR MIND: interpretada por Noel Harrison, a canção tornou-se numa referência de culto de The Thomas Crown Affair / O Grande Mestre do Crime (1968), policial romântico com o par Steve McQueen/Fay Dunaway sob a direcção de Norman Jewison.


— THE WAY WE WERE: tema-título de um grande sucesso de Robert Redford/Barbra Streisand com realização de Sydney Pollack, entre nós lançado como O Nosso Amor de Ontem — transformou-se num dos “standards” mais populares da própria Barbra Streisand.
 

— THE WAY HE MAKES ME FEEL: de novo por Barbra Streisand, aqui como actriz, cantora e realizadora, este é um dos temas que integra a banda sonora de Yentl, filme baseado num conto de Isaac Bashevis Singer sob uma jovem polaca de origem judaica no começo do século XX — este Oscar, partilhado com Michel Legrand, não foi de melhor canção, mas de melhor arranjo musical das canções (categoria mais tarde abandonada).
 

>>> Obituário em The Hollywood Reporter.