terça-feira, julho 01, 2025

Has to Be
— a canção desconhecida de Madonna

Delicado exercício de introspeção romântica, Has to Be é uma das canções mais mal conhecidas na trajectória de Madonna. Paradoxalmente, pertence a Ray of Light, um dos seus álbuns mais emblemáticos, e também de maior sucesso — acontece que, de facto, apenas surgiu na respectiva edição japonesa.
Agora que está anunciado, para 25 de julho, o lançamento de Veronica Electronica, precisamente com remisturas de Ray of Light, a canção está ausente do alinhamento oficial. Duplica-se o desconhecimento, já que Has to Be existe também nesta magnífica versão de Johnny Madder.

Breathe in, breathe out
I say a little prayer
How the gods above
Could be so unfair

I know there's someone out there
Waiting for me
There must be someone out there
There just has to be

Go on, go on
Don't sit there like a fool
You've graduated from
A different kind of school

I know there's someone out there
Waiting for me
There must be someone out there
There just has to be
I know there's someone out there
Waiting for me
There must be someone out there
There just has to be

I should be glad that I'm alive
It could have been much worse
I might have never loved at all
And never known what I am worth
How the gods above (how the gods above)
Could be so unfair (could be so unfair, could be so unfair)

I know there's someone out there
Waiting for me
There must be someone out there
There just has to be
I know there's someone out there
Waiting for me
There must be someone out there
There just has to be

segunda-feira, junho 30, 2025

O cinema que ninguém vê
(filmes, telenovelas & etc.)

Adeus à Linguagem (2014): o cinema já morreu?

Para pensar uma política cultural para o cinema português não basta agitar os números das bilheteiras — este texto foi publicado no Diário de Notícias (27 junho).

No início desta semana, a empresa NOS, distribuidora de Hotel Amor, difundia um comunicado em que dava conta da respectiva performance nas salas, sublinhando que se trata do “filme português com a melhor estreia de 2025”, visto “por cerca de 3500 espectadores em apenas cinco dias” (a estreia ocorrera no dia 19). Não vi Hotel Amor. As linhas que se seguem não são sobre o filme, antes tentam propor algumas hipóteses de reflexão sobre este ponto crítico a que chegámos — não do cinema português, mas de toda a nossa vida cultural — em que “cerca de 3500 espectadores” justificam (?) uma notícia em forma de celebração.
Sejamos um pouco mais específicos. Consultando os números oficiais do ICA (Instituto do Cinema e do Audiovisual), verificamos que Hotel Amor cumpriu os primeiros quatro dias de exibição em 39 ecrãs, num total de 307 sessões, tendo sido visto por 3511 espectadores. Contas feitas, isso significa que a média de espectadores por sessão foi de 11,4. Tendo em conta que a NOS estreou o filme em algumas salas com várias centenas de lugares, pergunta-se: o que há para celebrar?
Bem sei que há uma ideologia poderosa que baralha as especificidades dos filmes com os dinheiros que os acompanham... Se isso pode servir de consolação aos mais precipitados, lembrarei apenas que Adeus à Linguagem (2014), de Jean-Luc Godard, me parece ser “o” filme central das últimas décadas, tão importante para as dinâmicas criativas do cinema do século XXI como as Demoiselles d’Avignon para a pintura do século XX. O certo é que, no mercado português, teve ainda menos espectadores que Hotel Amor — paciência.
Também nas páginas do ICA, ficamos a saber que, apesar de não termos estruturas sólidas de produção cinematográfica, este ano já surgiram 27 novos títulos portugueses (dados coligidos até 18 de junho). E verificamos que mais de metade (14) desses filmes foram vistos, cada um deles, por menos de mil espectadores — os últimos dez da lista por menos de 500.
Onde estão as vozes demagógicas que, há mais de 50 anos, têm poluído a vida do cinema português com a lengalenga de que se gasta dinheiro a fazer filmes “difíceis” ou “intelectuais” que ninguém vê? Há uma agressividade nesse discurso que mascara o facto de a história económica do cinema em Portugal estar recheada de grandes projectos “comerciais” que foram, continuam a ser, aparatosos desastres de bilheteira.
Sou dos que, há quase meio século, em 1977, chamei a atenção para o facto de a ocupação do espaço mediático pela telenovela Gabriela, Cravo e Canela conter os germes de uma transfiguração da produção audiovisual e do seu consumo capaz de destruir metodicamente o mercado cinematográfico e o imaginário cinéfilo— não me gabo de ter tido razão.
Neste tempo de ubiquidade dos telemóveis e generalização das plataformas de “streaming”, a novela não explica tudo. Seja como for, o seu esmagador triunfo narrativo (e industrial!) foi, continua a ser, decisivo na consolidação de um público que, pura e simplesmente, ignora o cinema como acontecimento específico — e que, por isso mesmo, não vai ver filmes.
A questão de fundo para a qual, justamente, Godard chamou a atenção é que a “morte do cinema” (e sou o primeiro a reconhecer o excesso da expressão) é, acima de tudo, o desaparecimento do espectador de cinema. Não é possível esperar que um cidadão — criança, adolescente ou adulto — formado em conceitos mecânicos de narrativa e espectáculo se possa interessar por saber que Ingmar Bergman filmou muitos medos em que se pode reconhecer, ou que um autor de comédias como Jerry Lewis é um dos mais complexos cineastas da segunda metade do século XX.
Martin Scorsese já enfrentou esta conjuntura, dizendo que os filmes da Marvel “não são cinema”. Quase ninguém quis escutar as suas palavras, a ponto de ele se sentir compelido a esclarecer a sua visão num notável artigo publicado em The New York Times (4 nov. 2019). Lembremos: “Muitos dos elementos que definem o cinema tal como eu o conheço também estão nos filmes da Marvel. O que não está lá é a revelação, o mistério ou o genuíno abalo emocional. Não se arrisca nada. Os filmes são feitos para satisfazer um conjunto específico de exigências, sendo concebidos como variações de um número finito de temas.” Para superar tal estagnação o frenesim de ter 3500 espectadores é francamente pouco — a formação de públicos é outra coisa.

domingo, junho 29, 2025

Lorde, Opus 4

A neozelandesa Ella Marija Lani Yelich-O'Connor está de volta. E porque Virgin é o quarto álbum de Lorde, porque as suas canções parecem, mais do quer nunca, conciliar instrospeção e exploração formal, enfim, porque a cantora tem 28 anos, apetece dizer que a sua carreira está na fase da maturidade plena. Talvez. O certo é que, se regressarmos às origens (o seu primeiro álbum, Pure Heroine, surgiu em 2013), poderemos sentir que há nela um misto de precisão e obsessão que, desde muito cedo, a definiu como trovadora dos amores perdidos, porventura de perdição. Veja-se e escute-se What Was That.
 

A IMAGEM: Arash Khamooshi, 2025

ARASH KHAMOOSHI / The New York Times
Teerão (manhã de cessar-fogo com Israel)
24 junho 2025


A IMAGEM: Richard Estes, 1979

RICHARD ESTES
Jone's Diner
[hiper-realismo]

Warfare — revendo a guerra do Iraque
em tom hiper-realista

Uma ficção sobre a guerra, mas com a respiração de uma reportagem

Para conseguir concretizar o projecto de Warfare (Prime Video), Alex Garland contou com a colaboração de Ray Mendoza, um veterano da guerra do Iraque, de tal modo que ambos acabaram por assinar a realização do filme — este texto foi publicado no Diário de Notícias.

Lançado na plataforma Prime Video, Warfare é o segundo filme em que o realizador inglês Alex Garland conta com a colaboração de Ray Mendonza. Em Guerra Civil (2024), Mendonza funcionara como conselheiro militar para as cenas de combate; agora, tendo como inspiração a sua própria experiência enquanto elemento dos Navy SEALS americanos durante a guerra do Iraque, Mendonza co-assina a realização com Garland.
Ambos os filmes resultam de uma aposta em elementos genuinamente realistas, embora com diferenças de tom que importa sublinhar. Também disponível na Prime Video, Guerra Civil desenvolve-se como uma parábola sobre as clivagens internas dos EUA — e escusado será dizer que as atribulações destes tempos apenas têm contribuído para reforçar o seu valor simbólico. Agora, o olhar realista gera uma crónica detalhada sobre uma missão de uma unidade de Navy Seals, em 2006, na guerra do Iraque, durante a Batalha de Ramadi.
Num cenário de ruas poeirentas, desertas e inquietantes, começamos por ver o grupo a ocupar a casa de uma família: procuram recuperar forças e tentar perceber, via rádio, qual a sua posição relativa no interior do dispositivo das tropas em movimento. O realismo começa no detalhe, no cansaço dos rostos, na sensação de peso do material que cada soldado transporta, no assombramento do silêncio, enfim, na ameaça que a mais pequena perturbação sonora pode conter. A precisão dos pormenores justifica mesmo que reconheçamos neste realismo uma passagem para o domínio tão peculiar (e também tão made in America) do hiper-realismo.
Em qualquer caso, não se julgue que tal efeito “excessivo” se esgota numa mera acumulação de determinados elementos cenográficos ou objectos realistas. Desta vez, e de modo francamente diferente de Guerra Civil, a dimensão realista adquire grande parte da sua contundência através da linearidade do tempo, ou melhor, da continuidade de uma acção tecida de medo e solidão. Os cerca de 90 minutos do filme serão vividos pelo espectador como uma experiência com a mesma intensidade dramática de Guerra Civil, mas desta vez o tempo redobra as incertezas do espaço. Warfare existe, assim, através de uma saturação de pequenos acontecimentos tão perturbantes quanto discretos, acontecimentos que vão explicitando o misto de racionalismo e absurdo da própria situação de guerra.
Espera e combate, quietude e violência, calma aparente e brutal agitação — tudo se enreda num labirinto de pormenores que, em termos narrativos, possui qualquer coisa de reportagem, mesmo se Warfare não deixa de ser um trabalho ficcional apostado em “reconstituir” a experiência emocional, perversamente claustrofóbica, de um grupo de homens entregues a um cenário cujas determinações desconhecem. É para tomar à letra a informação da legenda inicial que lembra que o filme “apenas usa as suas memórias”.
Da longa lista de filmes de guerra, ou melhor, de filmes sobre muitas guerras somos levados a recordar aqueles que, para lá de todas as óbvias diferenças, apostam também em alguma exacerbação realista — penso, por exemplo, em A Vergonha (Ingmar Bergman, 1968) ou Platoon (Oliver Stone, 1986). De facto, não faz sentido amalgamá-los nas coordenadas de um “género” supostamente estável. Em qualquer caso, há neles um desafio realista e, insisto, hiper-realista que decorre da dificuldade (física e formal) de encenar a iniquidade da guerra.
No caso de Warfare, de modo original, bem diverso das evocações dramáticas de muitas guerras, nem sequer se exploram os antecedentes de cada um dos soldados como componente “psicológica” da acção. Afinal de contas, aquele grupo entrou num limbo em que a brutal nitidez da morte reduz o mundo a um acidente narrativo e moral. Escusado será dizer que, aqui, já não há heróis nem heroísmo.

quarta-feira, junho 25, 2025

Sabrina Carpenter — quem?

[Wasserman]
Eis uma pequena grande lição sobre os bastidores "artísticos" de muito fenómenos contemporâneos da música pop. Em mais um breve e conciso dos seus videos, Rick Beato escolhe como ponto de partida a canção Manchild, de Sabrina Carpenter, para demonstrar por A + B como funciona uma lógica friamente industrial em que a "criação" de novos sucessos resulta de uma burocracia executiva que garante a gestão da estrela como valor meramente instrumental... e de venda. Com algumas excepções, claro — ouça-se a referência de Beato a Billie Eilish.

terça-feira, junho 24, 2025

Death of a Fantastic Machine
— um documentário de The New York Times

Chama-se Death of a Fantastic Machine, tem assinatura de Maximilien Van Aertryck e Axel Danielson, e está disponível na secção de documentários de The New York Times. Ou como a câmara não é um mero instrumento de reprodução do mundo, mas um elemento determinante da nossa visão e para a nossa visão. Mais do que isso, um objecto actuante no modo como escolhemos e ocupamos um lugar nesse mundo — eis um exemplo maior de um jornalismo brilhante a integrar as imagens, sem nunca desistir de as questionar.

segunda-feira, junho 23, 2025

Um suicídio cultural
[a propósito do filme Portugueses]

A representação cinematográfica (e não só) do 25 de Abril foi sendo reduzida a um catecismo de lugares-comuns — este texto foi publicado no Diário de Notícias (6 junho).

Estreado esta semana [5 junho], Portugueses, de Vicente Alves do Ó, é um filme que se deixa resumir na breve frase com que é apresentado no site da Cinemundo, a sua distribuidora: “Somos todos... Portugueses.” Assim mesmo: com as reticências a suspender a frase na expectativa de uma revelação e a identificação da nossa nacionalidade com maiúscula. Estamos perante um trabalho que nasce de uma sincera e honesta vontade de celebrar a herança do 25 de Abril, partilhando-a com os espectadores. Acontece que sinceridade e honestidade, por mais respeito que possam merecer, não bastam para pensar o cinema enquanto linguagem e cruzamento de linguagens.
O filme parte de um axioma moral em que se confundem e, supostamente, se harmonizam os factos da história e a transcendência da mitologia. O dispositivo dramático — uma série de episódios antes e durante o 25 de Abril "comentados" por canções — vai-se esgotando em estereótipos de uma dramaturgia esquemática, sustentada pelo formalismo da “oposição” entre o preto e branco das memórias e as cores das canções. Com algumas ironias bizarras, como seja a associação da burguesia do Estado Novo ao Conquistador dos Da Vinci (canção que representou Portugal na Eurovisão, em 1989). Enfim, Portugueses revela a ambição de uma parábola política — falemos, então, de política.
Que estereótipos? Não esquecendo as formas de violência postas em prática pelo Estado Novo, não parece muito produtivo tratar os respectivos tempos como se no país só houvesse dois tipos de personagens: militantes do Partido Comunista e mulheres marginalizadas (espancadas as do povo, estúpidas as da burguesia). Ninguém contesta que a acção do PC foi fulcral para a queda da ditadura salazarista/marcelista, nem que a igualdade entre homens e mulheres estava longe de ser um princípio unificador da sociedade. O que se discute é algo que a esquerda, principal indutora deste modelo de representações, já não pensa. Pensar o quê? A pueril transformação narrativa de tais referências num catecismo bolorento que promove o tratamento da ditadura como uma encarnação abstracta do mal. Como se essa fosse uma forma inteligente, politicamente produtiva, de pensar o passado — e viver no presente.
São questões que excedem o filme: Portugueses não passa de um pormenor benigno de uma conjuntura muito mais geral. Será preciso falar de um aparato ideológico há muito dominante no espaço televisivo português, reforçado ao longo de 2024, ano em que se assinalaram os 50 anos do 25 de Abril: há todo um discurso mediático, panfletário e artístico, enraizado num certo imaginário de esquerda (com a bem disposta chancela da direita), que se organiza a partir de duas leis narrativas. Primeiro, encena-se o 25 de Abril como uma barreira mágica, de verdadeiro conto de fadas, que separa a ditadura da revelação religiosa da democracia; depois, a palavra “liberdade” é aplicada como um instrumento, também ele mágico, que nos permite usufruir dos valores democráticos, abstraindo da história a que pertencemos.
Vivemos e celebramos a democracia sem sair deste infantilismo ideológico. A esquerda, protagonista de tais atribulações narrativas, continua a trabalhar para o seu suicídio cultural. Porquê? Porque à esquerda falta a coragem de questionar o modo como a política foi sendo parasitada pelas lógicas mais especulativas e fulanizadas do espaço televisivo. Adia-se, assim, o enfrentamento da cultura como um complexo movimento de valores, actos e discursos que não se esgota na respectiva percentagem no Orçamento Geral do Estado (ainda que os políticos de esquerda pudessem prestar alguma atenção ao assunto).
Como é que a esquerda se pode repensar, ousando lidar com tudo isso? Não sei, mas tenho dúvidas que a resposta pertença aos “conselheiros de imagem” que por aí proliferam. Bastaria, então, maquilhar a pose televisiva de Pedro Nuno Santos? Os resultados são eloquentes: uma cruel sensação de falsidade de que o próprio foi a primeira e desamparada vítima.
Sem negar as diferenças esquerda/direita, o 25 de Abril doou-nos a hipótese de reconhecer que essa formulação (“esquerda/direita”) está longe de esgotar a complexidade do mundo — vale a pena, a propósito, reler alguns textos escritos por Eduardo Prado Coelho há meio século, quando ele lembrava o risco e a alegria de uma linguagem em que “se dissolvam os mitos que fomos construindo”.

O novo quarteto de Joshua Redman

No álbum World Falls Short [Blue Note], o saxofonista americano Joshua Redman apresenta um novo quarteto. Assim, na sua companhia estão Paul Cornish (piano), Philip Norris (baixo) e Nazir Ebo (bateria): uma estreia sedutora, enraizada em muitas e envolventes cumplicidades sonoras — eis o tema-título.
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>>> Paul Cornish lançará o seu primeiro álbum a 22 de agosto.