Ser ou não ser uma estrela, eis a questão: subitamente, há uma canção que nos fala de Elizabeth Taylor... — este texto foi publicado no Diário de Notícias (10 outubro).
![]() |
| [Instagram] |
Identificar assim as duas figuras e as respectivas imagens não significa qualquer aproximação (seja ela ecuménica ou conflituosa) das respectivas formas de existência mediática, nem sequer através do factor “feminino”. Afinal de contas, Thunberg tem 22 anos e Swift está a poucas semanas de completar 36, pelo que até mesmo o eventual uso da palavra “juventude” para classificar a sua coexistência no espaço da comunicação global não passaria de mais um gesto gratuito do pobre imaginário “juvenil” com que muitas formas de televisão tentam resumir a complexidade das pessoas, dos seus contextos e também do seu papel simbólico. Trata-se apenas de reconhecer que, em última instância, tal coexistência enriquece e alimenta a pluralidade do mundo.
No território específico do espectáculo, o protagonismo de Swift é tanto mais interessante quanto a sua trajectória profissional nunca dispensou alguma reflexão sobre as formas de representação do seu trabalho — e também, necessariamente, de auto-representação (a começar pelos estereótipos juvenis do seu primeiro álbum, homónimo, lançado em 2006). Acontece que para The Life of a Showgirl as escolhas dessa teatralização, afinal inerente a qualquer linguagem do espectáculo, se faz através de um insólito recuo temporal, tão conciso quanto irónico — as sofisticadas imagens de Allas/Piggott são a bandeira ambivalente desse verdadeiro processo dramatúrgico.
Poderemos considerar que o título do álbum se refere a “A vida de uma bailarina”, destacando a dança como valor inerente às suas performances (dos palcos aos telediscos), à semelhança de várias estrelas contemporâneas da música popular. O certo é que a palavra “showgirl” arrasta uma antologia de memórias que, pelo menos no contexto do “entertainment” americano, excede os limites de um estilo ou uma técnica.
Nos primórdios do cinema sonoro, e através de muitas associações com o imaginário da Broadway, a “showgirl” pertence ao mundo das chamadas Gold Diggers que, além do guarda-roupa exuberante (que Swift recria com grande pormenor), se distinguem pelas monumentais coreografias dos seus números musicais — lembremos, a esse propósito, o génio de encenação de Busby Berkeley em filmes como Gold Diggers of 1935 (1935), Gold Diggers of 1937 (1936) e Gold Diggers in Paris (1938). Para lá do género musical, o artifício da “showgirl” é mesmo um elemento espectacular que contamina muitas personagens do espectáculo, de uma vedeta do mudo como Theda Bara (Cleópatra num filme de 1917) até aos delírios visuais de Lady Gaga na sua emblemática digressão "The Monster Ball" (2009-2011).
Com Taylor Swift, tudo isso se reencena num jogo contido de humor e nostalgia, já que a “showgirl” que ela elege como modelo é alguém cujo imaginário se rege por componentes artísticas e simbólicas bem diferentes. A saber: Elizabeth Taylor (1932-2011). Encontramos mesmo no álbum uma canção intitulada Elizabeth Taylor, espelhando as amarguras decorrentes da conjugação de euforia e solidão, celebração e abandono, que a condição de estrela pode arrastar.
Lembrando os filmes de Elizabeth Taylor, de A Coragem de Lassie (1946) a Quem Tem Medo the Virginia Woolf? (1966), passando por Um Lugar ao Sol (1951), Gata em Telhado de Zinco Quente (1958) ou Cleópatra (1963), será que todos os ouvintes do novo álbum têm imagens para associar ao nome da “showgirl” que ela evoca? Movemo-nos, assim, num deserto de símbolos: num misto de pedagogia e poesia, Swift assume-se como miragem de uma ideia de “star” que se vai apagando nas nossas memórias.



