Com o novo Superman, dirigido por James Gunn, a DC Comics aposta no relançamento da personagem central do seu património de super-heróis. Infelizmente, os efeitos gratuitos e a ostentação tecnológica contrariam o equilíbrio do espectáculo — este texto foi publicado no Diário de Notícias (10 julho).
Uma parte significativa do melhor cinema do mundo continua a provir dos EUA — lembremos apenas o exemplo de 2024, ano de filmes tão brilhantes como Megalopolis (Francis Ford Coppola), Juror #2 (Clint Eastwood) e Joker: Loucura a Dois (Todd Phillips). Mas há um importante sector de Hollywood que permanece “encravado” em matrizes de espectáculo saturadas por sequelas e variações sem imaginação. Falamos, claro, das rotinas de muitos super-heróis... Entretanto, aí está mais um Superman, dirigido por James Gunn, com distribuição da Warner Bros.
Estamos perante uma aposta da DC Comics (e dos seus DC Studios) no sentido de relançar a personagem de Superman, “jóia da croa” da DC desde o aparecimento da sua primeira edição em BD, no nº 1 do magazine Action Comics, publicado a 18 de abril de 1938. Em termos de popularidade, o seu maior rival é o Homem-Morcego cujo título mais recente — The Batman (2022), de Matt Reeves, com Robert Pattinson — era, de facto, um objecto de contagiante energia.
Agora, o herói proveniente do planeta Krypton, de nome Kal El, a viver entre os humanos, na cidade de Metropolis, com a identidade de Clark Kent, jornalista do Daily Planet, não parece estar em momento feliz. Ambição não terá faltado a esta nova produção, quanto mais não seja porque se trata de regressar ao “começo” da história de Superman/Kent (“It begins”, diz mesmo a frase de um dos cartazes oficiais).
Depois de algumas legendas de abertura esforçadamente irónicas, resumindo os milhares de anos de vida (e morte) de Krypton e a salvação de Kal El, enviado pelos pais para o planeta Terra, deparamos com Superman prostrado na neve, depois de um combate perdido. Quem o salva é o seu cão, o hiper-activo Krypto — e se dissermos que a exuberância do “quatro-patas” é a coisa mais interessante (e também mais divertida) de todo o filme, eis um sintoma esclarecedor das limitações do projecto.
Ao contrário de outras aventuras de Superman, até mesmo o namoro entre Clark Kent e Lois Lane (colega de redação no Daily Planet) foi “liofilizado”: desde o primeiro momento, ela conhece o “alter ego” de Kent. Aliás, num dos trailers da promoção, o marketing dá-se ao luxo de divulgar a imagem do seu beijo no final do filme. O que diz bem da mentalidade “criativa” que sustenta uma produção deste género: não se trata de surpreender o espectador, mas de o convidar a ir ver aquilo que já sabe que vai ver...
Não admira, por isso, que se vá menosprezando qualquer consistência dramática. Dir-se-ia que a DC quer imitar as piores proezas da Marvel, “inventando” derivações mais ou menos estapafúrdias, do “buraco negro” ao serviço do malvado Lex Luthor até ao monstro que alguns patéticos efeitos especiais (?) colocam aos urros numa praça de Metropolis...
Memórias de 1978
São tempos difíceis de um modelo de cinema que trocou a vibração humana pela ostentação da tecnologia. O que é tanto mais frustrante quanto a escolha de David Corenswet e Rachel Brosnahan (como Clark Kent e Lois Lane, respectivamente) não deixa de evocar as imagens de Christopher Reeve e Margot Kidder no belo filme realizado por Richard Donner em 1978, também intitulado Superman, capítulo primeiro da era moderna deste super-herói na máquina de Hollywood (com música de John Williams, já agora...).
O curioso diálogo que travam na primeira parte do filme, no apartamento de Lois, sugere que este Superman talvez pudesse ser um filme realmente sobre personagens, não uma coleção de efeitos gratuitos que nem sequer sabe tirar partido da grandeza física do ecrã IMAX. Isto para não falarmos do regresso do 3D (e respectivos óculos), recurso gratuito num filme em que ninguém parece ter pensado nas questões básicas de composição do espaço e encenação do movimento.