quinta-feira, fevereiro 16, 2023

Memória de Carlos Saura

Os espectadores da geração que descobriu o cinema ao longo das décadas de 1960/70 lembrar-se-ão do valor simbólico de Carlos Saura no panorama da produção europeia — ele era, de uma só vez, um herdeiro da contundência de Luis Buñuel (mesmo se a sua obra se foi libertando de qualquer filiação unilateral) e também um valor exemplar de uma Europa cinematográfica a construir a sua modernidade.
Falecido aos 91 anos, no dia 10 de feverrio, na cidade de Collado Mediano (cerca de 50 km a norte de Madrid), Saura acabou por se tornar um criador mal conhecido, ou mesmo ignorado, pelos espectadores mais jovens. Ainda assim, é verdade que o seu nome é frequentemente citado como "cenógrafo" de diversas matérias musicais — lembremos Carmen (1983), nomeado para o Oscar de melhor filme estrangeiro, Flamenco (1995) e, claro, Fados (2007), disponível na plataforma Filmin, incursão a meu ver pouco feliz no imaginário da canção tradicional portuguesa (não é fácil, de facto, filmar o fado através do sistemático recurso ao playback, ainda que os intérpretes estejam a "reproduzir" os seus próprios fados).
Se Saura foi um genuíno inovador do cinema espanhol (e não há dúvidas sobre isso), tê-lo-á sido sobretudo através de alguns títulos que, de forma calculadamente perversa, reflectiam o clima ditatorial do franquismo através de narrativas capazes de combinar um descarnado realismo com uma sofisticada dimensão simbólica.
A Caça (1966), uma parábola política centrada num grupo de caçadores, é uma referência nuclear na paisagem do “novo cinema” europeu, pertencendo, afinal, a uma dinâmica que ia marcando também a produção de países como França, Itália, Checoslováquia e, claro, Portugal.
Depois, podemos recordar objectos tão singulares como Peppermint Frappé/Ideia Fixa (1967), exemplo de um cruel assombramento melodramático, Ana e os Lobos (1973) ou Cría Cuervos (1976), ou seja, os filmes em que dirigiu Geraldine Chaplin (com quem foi casado no período 1967-79). Também apaixonado pela fotografia, Saura foi, à sua maneira, um explorador de um realismo ambíguo, marcado pela violência fantasmática dos desejos.

>>> Trailer francês da A Caça.


>>> Cría Cuervos: Carlos Saura e Geraldine Chaplin no Festival de Cannes de 1976.


>>> Obituário no jornal El País.
>>> Página oficial sobre Carlos Saura.