quinta-feira, setembro 01, 2022

Gorbachev em modo oxímoro

Como definir oxímoro: "combinação engenhosa de palavras cujo sentido literal é contraditório ou incongruente" — assim nos ensina um dos dicionários disponíveis online. A saber: o significado das palavras é sempre assunto vulnerável, por vezes delirante, porventura festivo, já que, dir-se-ia a partir do interior dessas mesmas palavras, a significação é uma arte de muitas ambivalências e perversidades.
Veja-se/leia-se este título de hoje na primeira página do jornal francês Libération. O tratamento amigável de "Gorbi" parece decorrer de uma intimidade universal (outro oxímoro: como é que uma intimidade pode ser outra coisa que não particular?) que se expressa, não em francês, mas num adeus típico da nossa equívoca globalização, isto é, em língua inglesa. Provavelmente, tudo surgiu a partir de um rápido instinto ecuménico — o certo é que, como um gesto artístico que não parou para pensar o seu contexto, há uma sedução pueril neste título carinhoso.
Seja como for, convenhamos que é um pouco mais interessante do que as generalizações sem objecto, como a memória segundo a qual Gorbachev teve "uma enorme influência sobre o curso da história mundial" (esta é assinada por Vladimir Putin, não exactamente uma personagem oximorónica).