007 - Ordem para Matar (1963) |
Nos livros de Ian Fleming e em várias aventuras do Agente Secreto 007, a Guerra Fria funcionou como um fundamental pano de fundo geopolítico e dramático — este texto foi publicado no Diário de Notícias (26 setembro).
Agora que se fecha o ciclo Daniel Craig, vale a pena lembrar que, muito antes do seu “reinado”, depois do lançamento de 007 -Licença para Matar, no verão de 1989, os filmes de James Bond tiveram o maior interregno de sempre. Assim, decorreram mais de seis anos até que, em novembro de 1995, surgisse GoldenEye.
Dois factores terão contribuído para essa espera invulgarmente longa — afinal de contas, Sean Connery protagonizara os primeiros cinco filmes de Bond entre 1962 e 1967. O primeiro desses factores foi a substituição do intérprete de 007: depois de apenas dois filmes, Timothy Dalton cedeu o lugar a Pierce Brosnan. O segundo factor envolvia a geopolítica: o fim da Guerra Fria, “sinalizado” pela Queda do Muro de Berlim, a 9 novembro 1989, dissipou o próprio pano de fundo dramático que alimentava as aventuras de Bond.
A estreia de Bond nas salas de cinema — em 1962, com Dr. No/Agente Secreto 007 — ocorrera cerca de um ano depois do início da construção do Muro de Berlim. A divisão do mundo em dois blocos dominados por EUA e URSS estabeleceu essa “Cortina de Ferro” que muitos filmes da época começaram de imediato a reflectir. Para nos ficarmos pelos exemplos mais directos, e também mais interessantes, lembremos duas referências clássicas: O Espião que Saíu do Frio (1965), de Martin Ritt, tendo como base o romance de John le Carré [capa], e o “thriller” Cortina Rasgada (1966), de Alfred Hitchcock, com o par Paul Newman/Julie Andrews.
Claro que os filmes de James Bond nunca foram crónicas políticas “sobre” a Guerra Fria, quanto mais não seja porque os seus assumidos artifícios dispensam qualquer abordagem realista dos respectivos conflitos. Mas é um facto que os romances de Ian Fleming foram coleccionando sinais e sintomas das tensões Este/Oeste que os filmes integraram, não necessariamente de modo linear.
Lembremos o exemplo da organização criminosa SPECTRE, obviamente apelando a alguns paralelismos simbólicos com o KGB: surge logo no filme Dr. No, baseado no romance homónimo de 1958; o certo é que Fleming apenas a introduziu em Thunderball, lançado em 1961 (e adaptado ao cinema em 1965). Isto sem esquecer, claro, que um dos seus romances tem o título irónico de From Russia with Love (à letra: “Da Rússia, com Amor”) — publicado em 1957, seria filmado em 1963 (entre nós estreado como 007 - Ordem para Matar).
Seja como for, o súbito impasse dos filmes de 007 em finais da década de 80 não poderá ser “racionalizado” através dessa decomposição da sua conjuntura política original. Acontece que a própria paisagem cinematográfica, tanto em termos industriais como comerciais, estava dominada por produtos bem diferentes. 1989 é, de facto, o ano de lançamento do brilhante Batman, de Tim Burton, filme que para o melhor e, sobretudo, para o pior deu origem à “nova era” dos super-heróis. E é também o ano de Indiana Jones e a Grande Cruzada, de Steven Spielberg, em que o aventureiro interpretado por Harrison Ford voltava a reunir-se com o seu pai [poster]. O intérprete do pai transportava memórias de outras aventuras. O seu nome? Sean Connery.