segunda-feira, junho 21, 2021

Kate Winslet
— a aristocrata do povo [2/3]

Kate Winslet tem mais uma composição invulgar na mini-série Mare of Easttown (HBO): talentosa e versátil, a estrela de Titanic nunca cedeu à fabricação de um estereótipo — este texto foi publicado no Diário de Notícias (15 maio).

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É um facto que alguns dos papéis mais conhecidos de Kate Winslet são indissociáveis da produção de Hollywood, incluindo, claro, Titanic e O Despertar da Mente (2004), de Michel Gondry, este uma espécie de “love story” virada do avesso, a meio caminho entre nostalgia romântica e absurdo poético, contracenando com Jim Carrey. Seja como for, há um primeiro capítulo da sua filmografia que envolve três filmes eminentemente britânicos, pela produção e também pela inspiração literária: Sensibilidade e Bom Senso (1995), a partir de Jane Austen, com realização de Ang Lee (curiosamente, um cineasta de Taiwan); Jude (1996), uma adaptação de Thomas Hardy por Michael Winterbottom; e Hamlet (1996), uma das variações “shakespeareanas” que Kenneth Branagh interpretou e dirigiu. Isto sem esquecer que quem lhe ofereceu o primeiro papel em cinema foi o neozelandês Peter Jackson, com Amizade sem Limites (1994), uma história policial filmada em tom mais ou menos sarcástico.
Kate Winslet nasceu em 1975, o que quer dizer que tinha 20 anos quando fez Sensibilidade e Bom Senso. Dir-se-ia que estava aberto o caminho para uma carreira de sucessivas variações sobre o modelo de “dama britânica”, tão querido da tradição de Hollywood — o filme valeu-lhe, aliás, a sua primeira nomeação para um Oscar (actriz secundária). O certo é que o trabalho que se seguiu nunca se deixou acomodar num qualquer estereótipo dramático ou cultural.
O sucesso planetário de Titanic foi rapidamente “contrariado” por alguns filmes de registo bem diverso, incluindo um retrato do Marquês de Sade: com Geoffrey Rush no papel do marquês e realização de Philip Kaufman, chama-se Quills - As Penas do Desejo (2000) e ainda hoje permanece como um objecto “selvagem”, muito pouco conhecido. Vimo-la também em Iris (2001), de Richard Eyre, interpretando a jovem escritora Iris Murdoch (com Judi Dench nas sequências da velhice), e À Procura da Terra do Nunca (2004), outro título infelizmente de modesta circulação, em que Marc Forster revisita a vida do escritor J. M. Barrie (interpretado por Johnny Depp) e, em particular, as circunstâncias que fizeram nascer o seu Peter Pan.