sábado, março 28, 2020

Roland Barthes, aqui e agora

Na sequência de um acidente, Roland Barthes faleceu no dia 26 de março de 1980, fez ontem 40 anos. A obra do autor de O Prazer do Texto, Fragmentos de um Discurso Amoroso e A Câmara Clara não perdeu actualidade nem sedução — este texto foi publicado no Diário de Notícias (26 Março).

Roland Barthes faleceu no dia 26 de março de 1980 — faz hoje 40 anos. Nesse mesmo ano, lançara aquele que continua a ser, por certo, um dos seus livros mais lidos, não só pelo grande público, mas também em contextos de estudo da fotografia e do cinema: chama-se A Câmara Clara e nele o autor discute as transparências e mistérios da imagem fotográfica, quer convocando os grandes mestres (Nadar, Cartier-Bresson, Mapplethorpe, etc.), quer citando registos da sua história familiar, em particular uma fotografia emblemática da sua mãe.
A notícia da sua morte foi um choque. Nascido a 12 de novembro de 1915, em Cherburgo, Barthes era um nome central no pensamento europeu e, além do mais, uma personalidade muito activa nos domínios da escrita e do ensino, na altura integrando o corpo docente do Collège de France, em Paris. Foi, aliás, a caminho das suas aulas, no dia 25 de fevereiro desse ano, que foi atropelado por um camião, num acidente que se revelaria fatal.
Barthes desempenhou um papel fundamental na revolução dos estudos semiológicos da década de 60, tendo publicado os seus Ensaios Críticos e Elementos de Semiologia, respectivamente em 1964 e 1965. A agilidade do seu pensamento, combinando o rigor analítico com o risco filosófico, teve uma influência tanto maior quanto a sua escrita nunca se confinou aos mais clássicos domínios de investigação (a começar pela literatura), abrindo espaços de reflexão sobre os objectos, comportamentos e valores da chamada “sociedade de consumo”.
Dois livros podem ilustrar essa sua atenção às vibrações específicas da nossa vida social, desmontando ideias feitas (sobretudo mal feitas) que circulam a propósito de tudo aquilo que, precipitadamente, consideramos “banal” ou “indiferente”. Um deles, Sistema da Moda (1967), tem a estrutura de uma tese universitária e desmonta o discurso (da moda, precisamente) sobre o que vestimos, o que escolhemos vestir ou nos é dito que devemos vestir. O outro é, ainda hoje, o título mais popular da sua vasta bibliografia: Mitologias (1957) observa com precisão semiológica, e também um delicioso e contagiante humor, os mais variados temas do imaginário social, da publicidade dos produtos de limpeza à iconografia da Volta à França em Bicicleta, passando pelos lugares-comuns dos discursos populistas da época.
Escusado será dizer que, hoje em dia, a obra de Barthes será tudo o que se quiser menos um objecto esquecido num qualquer recanto de curiosidades museológicas. Para além dos muitos estudos, análises e releituras que continua a suscitar, a sua vida foi tratada numa monumental biografia assinada por Tiphaine Samoyault (Roland Barthes, ed. Seuil, 2015).
À excepção desta biografia, a maior parte dos seus livros estão disponíveis no mercado português (com chancela das Edições 70). Eis mais três hipóteses de descoberta ou redescoberta:
[Seuil]
— O PRAZER DO TEXTO (1973): é um dos seus trabalhos mais breves (cerca de uma centena de páginas) e também um dos mais influentes. Trata-se de perguntar como se escreve e, mais do que isso, como lemos aquilo que se escreve. O seu título envolve a tensão entre as linguagens que aprendemos e a possibilidade de protagonizarmos, descobrirmos e inventarmos outras linguagens. No admirável prefácio da primeira edição portuguesa (escrito a 14 de maio de 1974), Eduardo Prado Coelho definia tal tensão a partir de duas frentes: “a guerra das linguagens e a paz dos textos”.
— FRAGMENTOS DE UM DISCURSO AMOROSO (1977): Barthes parte da “extrema solidão” do discurso amoroso, convoca autores como Balzac, Goethe e Freud, propondo uma originalíssima digressão através dos sobressaltos da paixão. Entre os seus fragmentos e alíneas encontramos, por exemplo, “carta”, “ciúme”, “eu amo-te”, “obsceno” e “verdade”.
— LIÇÃO (1978): texto breve, por excelência, não mais que quatro dezenas de páginas sublimes. Nas palavras da lição inaugural da disciplina de Semiologia Literária do Collège de France (proferida a 7 de janeiro de 1977), Barthes fala da aventura de ensinar, da transmissão do saber e dessa revelação visceral, profundamente sensual, que faz com que o saber se transfigure em sabor.

>>> Roland Barthes por Philippe Sollers [Tel Quel, nº 47, Outono 1971].