sábado, fevereiro 15, 2020

Os Oscars perdidos

Joe Pesci e Martin Scorsese
— rodagem de O Irlandês
Já tinha acontecido com Gangs de Nova Iorque: um filme de Martin Scorsese (agora, sucedeu com O Irlandês) obtém uma dezena de nomeações, incluindo a de melhor do ano, e sai da cerimónia dos Óscares sem qualquer prémio: a memória dos que perderam faz também parte da história e do imaginário de Hollywood — este texto foi publicado no Diário de Notícias (10 Fevereiro), com o título 'Um zero para Scorsese'.

Lembrar os que não ganharam Oscars é, nestas ocasiões, uma espécie de vício cinéfilo. Benigno, entenda-se, sobretudo se for entendido, não como uma “culpabilização” dos que votaram, antes como uma abertura de pontos de vista.
Já sabíamos que Uma Vida Escondida, de Terrence Malick, um dos títulos mais singulares do ano (e, a meu ver, dos mais brilhantes), nem sequer surgia nas nomeações. Quanto ao filme de Clint Eastwood, O Caso de Richard Jewell, nobre representante do classicismo de Hollywood e da sua vocação política, estava presente em apenas uma categoria — melhor actriz secundária, através de Kathy Bates — e perdeu.
Em qualquer caso, deparamos com um incómodo vazio: O Irlandês, um dos títulos que se apresentava entre os mais nomeados, saíu da cerimónia nº 92 da Academia de Hollywood exactamente como entrou. Ou seja: sem prémios.
Para a estatística, o prodigioso filme de Martin Scorsese ganha lugar numa galeria não muito apetecível. A saber: a dos filmes com pelo menos uma dezena de nomeações que não obtêm qualquer prémio. Scorsese, aliás, já lá estava representado com Gangs de Nova Iorque (2002): dez nomeações, zero Oscars. Nesse domínio, só dois títulos conseguiram “melhor” performance: A Grande Decisão (1977), de Herbert Ross, e A Cor Púrpura (1985), de Steven Spielberg — ambos obtiveram onze nomeações e nenhuma vitória.
Para a Netflix, produtora de O Irlandês, este é um revés importante. E não só pelo dinheiro (159 milhões de dólares) que a plataforma de “streaming” investiu na saga de Scorsese. Sobretudo porque, deste modo, volta a ficar adiado o seu reconhecimento pleno no interior da comunidade de Hollywood, reconhecimento que, como é óbvio, envolve (ou envolverá) a conquista do Oscar máximo.
Ainda assim, quanto mais não seja de um ponto de vista sentimental, o grande derrotado da noite terá sido 1917, de Sam Mendes. Derrota insólita, sem dúvida, mesmo não esquecendo que o épico da Primeira Guerra Mundial conseguiu três Oscars nas categorias técnicas — fotografia, efeitos visuais e mistura de som —, afinal reveladores da complexidade da sua produção. O certo é que, sobretudo depois dos prémios da associação de produtores e do sindicato de realizadores, 1917 parecia ser o vencedor “obrigatório” na categoria de melhor filme do ano.
Enfim, registe-se também que os filmes correntes de aventuras e super-heróis ficaram de fora. Um velho preconceito manda dizer que esses são produtos mal amados pelos críticos… Em qualquer caso, recorde-se que tais filmes quase não surgiram nas nomeações. Os que apareceram — os mais recentes episódios de Avengers e Star Wars, respectivamente com uma e três nomeações —, não receberam qualquer distinção. E não consta que tenham sido os críticos a votar.