quinta-feira, dezembro 12, 2019

Greta Thunberg — a pessoa ou a imagem?

* Greta Thunberg, a activista sueca que tem protagonizado uma campanha global de sensibilização para as convulsões climatéricas e a defesa do ambiente, é a "Pessoa do ano" para a revista Time. Não será necessário sublinhar a importância das chamadas de atenção proferidas nas suas intervenções públicas, sobretudo tendo em conta que poderosas forças (leia-se: Donald Trump) continuam a propalar um discurso demagógico sobre as tragédias, consumadas ou anunciadas, do aquecimento global do planeta Terra.

* Ao mesmo tempo, como não perguntar o que significa esse "poder da juventude" que, na sua capa, a Time associa a Thunberg. Que é como quem diz: de que falamos quando falamos de juventude? Em boa verdade, a designação de juventude serve para recobrir, hoje em dia, com inusitada frequência, uma pluralidade de fenómenos — entenda-se também: um sistema de mercados — que quase ninguém questiona no seu funcionamento e implicações.

* Desse ponto de vista, Thunberg  — ou, pelo menos, a sua imagem de marca — repete a lógica mediática da celebração inerente a universos como "Harry Potter". Porque a eles se cola uma caução juvenil, ninguém ou quase ninguém formula dúvidas. No caso do império narrativo de J. K. Rowling, quase nunca se pergunta, por exemplo, se o feiticeiro adolescente não estará a criar uma geração focada numa escrita banalmente instrumental, cega à vastidão da história da literatura. Mais ainda: quais os efeitos da promoção de uma visão "mágica" da educação em que o confronto com a realidade se confunde com o aparato dos feitiços que cada personagem pode ou sabe aplicar?


* Inútil discutir a sinceridade (ou a falta dela) do discurso de Thunberg. Porquê? Porque, precisamente, a fulanização de quase todos os fenómenos mediáticos — aliás, os media como sistema de fulanização de todos os fenómenos — funciona para além do grau de compromisso de cada indivíduo, por vezes contra os princípios ou valores desse compromisso. A sinceridade de Thunberg não está em causa — é o efeito Thunberg que importa pensar.

* Num tempo de óbvia decomposição prática e simbólica de muitas formas de poder — a começar pelo poder das estruturas familiares junto dos jovens —, enunciar a juventude como fonte de poder corre o risco de deixar incólumes os efectivos sistemas de poder em que vivemos, propagando apenas uma ruidosa utopia mediática, tanto mais vazia quanto mais ruidosa. A esse propósito, somos mesmo levados a reconhecer que a multiplicação de "photo-ops" se tornou a linguagem dominante da presença de Thunberg no nosso dia a dia saturado de (des)informação. Involuntariamente ou não, o trabalho (interessantíssimo, não é isso que está em causa) da Time em torno de Thunberg contém os sintomas de uma hipotética irrisão. Como nesta foto [da autoria de Evgenia Arbugaeva], mostrando Thunberg a chegar a Madrid para marcar presença na Cimeira sobre o Clima — que vemos aqui: uma pessoa cercada pelos olhares das câmaras, ou tão só uma personagem a cumprir um ritual pré-formatado?