Libération [28 Dez. 2029] |
a. Por ligeireza ou cansaço, o título do Libération cede à ironia fácil que, hoje em dia, contamina todos os domínios das nossas existências públicas: "Turismo Parisiense", escreve o jornal para enquadrar esta fotografia. Como se a rua, espaço simbólico entre todos, fosse um pretexto para celebrarmos tudo o que consagra a futilidade e a sua violência (simbólica, justamente).
b. A fotografia foi obtida por Bruno Lévy no dia 28, na sequência da passagem de uma das manifestações que, em Paris, tem pontuado os conflitos sociais relacionados com as alterações das reformas previstas pelo governo de Emmanuel Macron. Dizer que as duas personagens reduzem as matérias acidentadas da rua a cenário de uma celebração pueril é dizer pouco. Na verdade, a sua dança (o verbo usado pelo jornal é esse: dançar) ilustra um medíocre não-valor que, em nome da expressão e da liberdade, reduz a vida da rua a uma socialização anedótica, supostamente lúdica.
c. Dito de outro modo: um pouco por todo o lado, com especial visibilidade nos códigos associados à "juventude", tudo é pretexto para afirmar um simulacro de diferença. Ora, a diferença nasce, ou pode nascer, de uma afirmação contundente do individual no interior do colectivo. Aqui, a diferença não passa de uma apoteose de indiferença por tudo o que nos rodeia, incluindo os destroços do nosso difícil viver — ou como dançar pode ser a bandeira de uma alegria que nada sabe da sua irremediável tristeza.