>>> No seu conjunto, a bênção da vida inerente ao labor não pode nunca ser encontrada no trabalho e não deve ser confundida com o inevitavelmente breve intervalo de alegria que se segue à realização e que está presente na concretização. A bênção do labor incide no facto de o esforço e a gratificação se sucederem tão estreitamente como a produção e o consumo, no que resulta que a felicidade é concomitante em relação ao próprio processo. Não existe felicidade e satisfação duradoura para os seres humanos fora do ciclo prescrito de exaustão penosa e aprazível regeneração. O que quer que desequilibre este ciclo — na miséria, em que a exaustão é seguida de infortúnio ou, por outro lado, numa vida inteiramente passiva, em que o tédio assume o lugar da exaustão e em que os moinhos da necessidade, do consumo e da digestão moem sem piedade um corpo humano impotente até à morte — arruina a felicidade elementar que advém do facto de estarmos vivos. Em todas as atividades humanas está presente um elemento de labor, mesmo nas mais elevadas, na medida em que são desempenhadas como trabalhos "rotineiros" através dos quais ganhamos a vida e nos mantemos vivos. O seu caráter repetitivo, que as mais das vezes sentimos como fardo que nos extenua, é o que fornece aquele mínimo de contentamento animal pelo qual os grandes e profundos intervalos de alegria, que são raros e nunca perduram, não podem ser substituídos, e sem os quais os mais duradouros mas igualmente raros intervalos de verdadeira dor e tristeza dificilmente seriam suportáveis.
HANNAH ARENDT
tradução: João Moita
ed. Relógio D'Água, 2019