Ballot Box Bunny (1951) |
Nas nossas ruas, quase todos os cartazes eleitorais reflectem uma exasperante pobreza criativa. Será que a maioria dos nossos políticos já pensou sobre o que significa dizer que “vivemos num mundo de imagens”? — este texto foi publicado no Diário de Notícias (14 Setembro).
Convenhamos que a pose de Bugs Bunny a apelar ao voto na sua pessoa é uma imagem que não nos deixa indiferentes. Pertence a Ballot Box Bunny, curta-metragem de 1951 realizada por Fritz Ferleng, incluída na lendária série “Merrie Melodies”, da Warner Bros. Os espectadores de cinema com pelo menos 50 anos de idade lembrar-se-ão dessas pequenas pérolas dos desenhos animados como “complementos” das sessões de cinema, isto é, antecedendo a projecção do “filme de fundo”.
Mas não estou a propor uma mera vocação nostálgica. Falo do presente, perguntando-me (e perguntando ao leitor) se nas ruas das nossas cidades, vilas e aldeias podemos encontrar alguma imagem do actual momento pré-eleitoral que possua uma pequena fracção da energia, e também da alegria, do coelho da Warner.
O mais estrito bom senso impõe que contrariemos qualquer tentativa de generalização fácil: ao longo das próximas semanas, vamos, por certo, deparar com cartazes de contagiante imaginação. Ainda assim, o actual panorama é confrangedor: a maioria dos cartazes eleitorais reflecte uma desesperante pobreza criativa e, mais do que isso, faz equivaler direitas e esquerdas numa só linguagem iconográfica.
Ironizo? Não necessariamente. Claro que não peço a qualquer dirigente político que tente reproduzir a performance de Bugs Bunny. Acontece que, tal como em anteriores períodos eleitorais, assistimos ao triunfo daquilo que, a meu ver, justifica a criação de uma nova terminologia científica. A saber: o síndrome das agências de imobiliário.
Observem-se os cartazes dos profissionais que trabalham nessas agências. Bem sei que eles se tornaram figuras importantes da dinâmica social, ajudando-nos a enfrentar os problemas de habitação. Não é isso que está em causa. Mas isso também não anula o facto de os seus cartazes serem de uma apoteótica pobreza iconográfica: banais fotografias “photomaton” enquadradas por um amontoado de letras de cores mais ou menos berrantes.
Tal banalidade estética não impede que, através deles, consigamos um bom arrendamento. As coisas tornam-se um pouco mais perturbantes quando observamos os nossos políticos a usarem a mesma estética: uma foto de uma cabeça desligada de qualquer contexto, por vezes agregada a outra foto de outra cabeça, seguramente obtidas em momentos diferentes, de tal modo que a montagem das imagens parece ter sido feita por um (mau) aluno de uma escola infantil.
Dir-me-ão que a pertinência das ideias políticas de cada um não se pode reduzir a estes incidentes figurativos. Não poderia estar mais de acordo. E faço questão em sublinhar que, embora o nosso mundo mediático nem sempre me ajude, resisto à facilidade de apreciar as ideias seja de quem for a partir do seu “visual”.
O que também não nos impede de enfrentar uma questão assaz interessante: estamos perante objectos quase sempre gerados por especialistas de marketing e gabinetes de comunicação que, pelo que vemos, se limitam a repetir, estoicamente, o imaginário promocional das agências de imobiliário. Surgindo, assim, uma pergunta pedagógica: como todos os políticos gostam de proclamar que “vivemos num mundo de imagens”, que aconteceu para que se exponham em tão medíocre iconografia?
Será que esses mesmos políticos se dão ao luxo de possuir um conceito meramente instrumental das imagens? Dir-se-ia que nunca pensaram sobre o facto de, nos nossos dias, não haver prática política que, para o melhor ou para o pior, não passe por alguma matéria figurativa. No limite, alguns deles viverão mesmo na candura de acreditar que a tristeza conceptual dos seus cartazes atrairá aos locais de voto os 4.273.748 abstencionistas das últimas legislativas. Por mim, não sei se recorreria aos seus serviços para alugar casa.