Beanie Feldstein e Kaitlyn Dever |
Foi em 1999 que se estreou American Pie, objecto de desastrosa mediocridade cinematográfica que criou um “estilo” de representação da juventude baseado num único pressuposto dramático: a adolescência seria apenas um acidente sexualmente burlesco que se resume no facto de as respectivas personagens serem ou não serem virgens... Em Portugal, num gesto de sagaz objectividade, o filme foi mesmo lançado com o subtítulo “A Primeira Vez”.
Vinte anos depois, há que reconhecer que a moda não desarma: Booksmart, estreia na realização da actriz Olivia Wilde, é a “enésima” variação sobre o tema. Dito de outro modo: onde antes encontrávamos rapazes a especular sobre o modo de atrair raparigas, agora a acção centra-se em raparigas atraídas por... rapazes e raparigas.
Dir-se-ia que encontramos aqui um sintoma das convulsões do movimento #MeToo, em particular da revalorização de histórias de mulheres concebidas e assinadas por mulheres. Em todo o caso, creio que tal perspectiva tende a gerar um equívoco ainda maior: mesmo não ignorando os seus impasses, contradições e silêncios, o fenómeno #MeToo é demasiado sério, e de inegável importância social, para que o confundamos com as proezas de um filme como Booksmart.
Desgraçadamente, a questão é muito mais simples: estamos apenas perante um exemplo de chocante mediocridade cinematografica. O subtítulo português ajuda à festa, procurando reforçar a “ironia” do original. Assim, “booksmart” designa alguém que cultiva o gosto dos livros, nessa medida “armando-se em esperto(a)”... Daí a adenda que o filme recebeu no nosso mercado: Inteligentes e Rebeldes.
Não estamos, realmente, no reino da subtileza. Assumindo-se como comédia sexual feminina, porventura feminista (?), Booksmart dá-nos conta das atribulações de Amy (Kaitlyn Dever) e Molly (Beanie Feldstein) em vésperas da cerimónia de encerramento do curso liceal, já vislumbrando a sua vida universitária... Num misto de desilusão e culpa, descobrem que talvez não tenham sabido desfrutar dos prazeres da adolescência em que todos os colegas se especializaram...
O cliché não podia ser mais claro: quem lê livros, coitado(a), não sabe nada dos sabores da vida vivida... O resultado é uma antologia de piadas de sorumbático humor, com a breve excepção de uma sequência onírica, executada, em animação, com duas bonecas Barbie que, ao espelho, avaliam as componentes sexuais da representação do seu próprio corpo... Podia ser uma outra maneira de lidar com a pesada herança de American Pie, mas tal sequência não passa de uma excepção. Em última instância, este é um filme que parece assombrado por aquela incómoda tristeza de nem sequer acreditar no humor que tenta transmitir.