Com Ethan Hawke no papel central, Síndrome de Estocolmo evoca o assalto que deu origem à própria expressão usada no título: ou como se pode estabelecer alguma cumplicidade entre raptores e reféns — este texto foi publicado no Diário de Notícias (8 Agosto).
O filme Síndrome de Estocolmo abre com uma legenda que explica a própria expressão do título: “tendência psicológica de um refém se ligar ao seu raptor.” Mas não se trata apenas de encenar uma situação simbólica, capaz de reflectir essa inusitada relação afectiva (refém/raptor). Porquê? Porque o filme realizado pelo canadiano Robert Budreau evoca a própria situação verídica que deu origem à expressão.
Estamos, de facto, perante um drama inspirado no assalto a um banco de Estocolmo, perpetrado pelo sueco Jan-Erik Olsson, a 23 de Agosto de 1973 — a evolução dos acontecimentos foi sendo contaminada por essa inesperada “simpatia” entre Olsson e os seus reféns, funcionários do banco. Em qualquer caso, não há no filme de Budreau qualquer tentativa de “reconstituição”, até porque os nomes das personagens são fictícios, a começar pelo líder dos assaltantes, Kaj Hansson, interpretado por Ethan Hawke.
Também não se trata, entenda-se, de explicar “cientificamente” a lógica (ou a falta de lógica) que, numa conjuntura de profundo dramatismo, pode gerar inesperados laços emocionais entre agressor e agredido. O maior mérito cinematográfico do trabalho de Budreau será mesmo esse: evitar qualquer efeito de “tese”, optando antes pela encenação de um labirinto humano que, em última instância, se rege pelas regras clássicas do “thriller”.
Budreau é, antes do mais, um rigoroso director de actores. Foi ele, aliás, que também dirigiu Hawke num belo filme sobre uma lenda do jazz, Chet Baker: chama-se Born to Be Blue (2015) e, infelizmente, nunca chegou às salas portuguesas. Agora, para além de Hawke, compondo um ladrão fascinado pelas canções de Bob Dylan (!), Noomi Rapace e Mark Strong são também exemplares: ela como a empregada do banco que, na condição de refém, vai desenvolvendo uma peculiar cumplicidade com o assaltante; ele no papel do cúmplice, inicialmente na prisão, cuja libertação é exigida por Hansson.
O filme sabe manter um equilíbrio simples, mas eficaz, entre os momentos de pura acção física e as situações em que, dentro e fora do banco, a inquietação aumenta (ponto fraco: a caracterização dramática dos polícias obedece a uma banalidade esquemática, quase sempre previsível). Particularmente subtis são os momentos em que, através da interpretação de Hawke e Rapace, vamos percebendo que algo está a acontecer, transcendendo e, até certo ponto, anulando o conflito inerente às suas identidades.
Do ponto de vista histórico, Síndrome de Estocolmo contém ainda os curiosos sinais de um fenómeno mediático que, no assalto ao banco de Estocolmo, terá tido um dos seus momentos fundadores: esta é, na verdade, uma das primeiras situações em que a presença da televisão contribuiu para que os cidadãos experimentassem a sensação ambígua de acompanhar os acontecimentos “em tempo real”. Podemos perguntar se tal método de reportagem serviu, realmente, para enriquecer a própria linguagem televisiva... Mas como diria uma personagem de Billy Wilder [video: Irma la Douce, 1963], isso é outra história...