terça-feira, agosto 13, 2019

DVD: Renoir, Ophüls & etc.

Mel Ferrer e Ingrid Bergman
HELENA E OS HOMENS (1956)
De Renoir a Ophüls, os clássicos do cinema francês voltam a ser um acontecimento no mercado do DVD: onze filmes para redescobrirmos os mestres que inspiraram os cineastas da Nova Vaga — este texto foi publicado no Diário de Notícias (6 Agosto).
  
Observando o modo como o makerting cinematográfico investe o essencial dos seus recursos nas produções de “super-heróis” e afins, somos forçados a reconhecer que os clássicos, mais do que marginalizados, passaram a ocupar um pequeno território de resistência. Nas salas e também no DVD, como agora se prova pela edição (em alguns casos, reedição) de títulos de grandes autores do cinema francês, produzidos, em particular, durante a década de 50.
Trata-se de uma “Colecção Cinema Francês – Os Grandes Mestres” com chancela da Leopardo Filmes. Dos três volumes já editados, só o primeiro é dedicado apenas a um realizador, Jean Renoir (1894-1979), com três títulos: O Crime do Sr. Lange (1936), French Cancan (1954) e Helena e os Homens (1956). Os dois outros volumes apresentam, cada um deles, quatro filmes de dois cineastas: Marcel Pagnol (1895-1974) e Sacha Guitry (1885-1957), no segundo; Jacques Becker (1906-1960) e Max Ophüls (1902-1957), no terceiro.
Tendo em conta que predominam produções da década de 50, vale a pena recordar que a revolução estética — de temas, sensibilidades e linguagens — protagonizada ao longo da década seguinte pela geração da “Nouvelle Vague” não pode ser compreendida como se os respectivos autores tivessem partido do zero. Bem pelo contrário, foi em criadores como Renoir, Ophüls ou o muito esquecido Guitry que eles reconheceram as marcas de uma singularidade (francesa, antes do mais) cuja herança importava estudar, assumir e transfigurar. De alguma maneira, Jean-Luc Godard, François Truffaut ou Eric Rohmer foram modernos através da sua relação com o património legado por esses clássicos.
Aqui encontramos, por isso, toda uma pluralidade artística que vai do “impressionismo” de Renoir ao gosto teatral de Guitry, sem esquecer o “romantismo” de Becker, em particular no mítico Casque d’Or/Aquela Loira (1952), com Simone Signoret no seu papel mais emblemático [trailer original].


Enfim, são onze filmes capazes de nos ajudar a relativizar e, mais do que isso, superar qualquer visão pitoresca do passado cinematográfico. Como bons cinéfilos, podemos e devemos reconhecer a espantosa actualidade destes mestres. Entre os títulos editados, eis três exemplos modelares:

* HELENA E OS HOMENS (1956), de Jean Renoir — É o filme que conclui a “trilogia da felicidade” de Renoir, depois de A Comédia e a Vida (1952), celebrando as ambivalências existenciais do teatro, e French Cancan (1955), evocando a fundação do Moulin Rouge, em Paris, em finais do século XIX. Também situado no apoteótico e colorido “fin de siècle”, Helena e os Homens possui a dimensão de uma fábula romântica sobre os enigmas do masculino/feminino, com Ingrid Bergman, numa das suas composições mais delicadas e etéreas, contracenando com Jean Marais e Mel Ferrer.

* VENENO (1951), de Sacha Guitry — Quando vemos agora o genérico de abertura deste filme, com o próprio Guitry a apresentar, com carinho e pompa, os elementos da sua equipa (actores e técnicos), sentimos que estamos perante um espírito realmente livre. Ou seja: Guitry é alguém que assume uma descomplexada teatralidade para, a partir daí, construir um discurso cinematográfico que envolve sempre uma visão sarcástica dos limites da moral humana. Com o brilhante Michel Simon no papel central, esta é uma desconcertante parábola sobre a “lógica” de um acto criminoso e, nessa medida, a infinita ambivalência das relações sociais.

* MADAME DE... (1953), de Max Ophüls — Antes do seu lendário e derradeiro filme, Lola Montès (1955), Ophüls realizou O Prazer (1952) e Madame De... (1953), ambos incluidos nesta edição. Com Danielle Darrieux num dos mais requintados papéis da sua carreira, Madame De... encena as atribulações de uma dama da Belle Époque cuja reputação se enreda no circuito insólito de uns brincos que podem revelar mais do que as conveniências exigem... Através dos encontros e desencontros amorosos, num misto de cepticismo e ironia, Ophüls filma sempre a insensatez dos desejos humanos [trailer espanhol].