segunda-feira, setembro 17, 2018

Maupassant & Ophüls

Mais clássicos franceses a marcar a exibição do Verão/Outono: esta semana, o o destaque vai para Max Ophüls — este texto foi publicado no Diário de Notícias (14 Setembro), com o título 'Maupassant reinventado pelo cinema'.

As reposições de filmes clássicos franceses constituem um dos principais acontecimentos deste Verão cinematográfico (até 10 de Outubro, em Lisboa e Porto, respectivamente no Espaço Nimas e no Teatro Campo Alegre). Assim se prova, afinal, que a memória é um valor actual, não uma acumulação de referências pitorescas para evocar em efemérides mais ou menos estereotipadas...
Entre os títulos que surgem esta semana, O Prazer (1952), de Max Ophüls (1902-1957), pode servir de matriz de um cinema clássico cujos ecos persistem no imaginário cinéfilo — e desde logo porque mestres como Ophüls foram modelos fundamentais, da ética à estética, para os cineastas que, a partir de finais de 1959, protagonizaram as convulsões criativas da Nouvelle Vague.
Maupassant
Estamos perante um cinema apaixonado pela riqueza da palavra escrita e, nessa medida, pela possibilidade de transfigurar as matérias literárias em narrativas cinematográficas. Dito de outro modo: este é um painel de três histórias inspiradas em Guy de Maupassant (1850-1993). Numa delas, deparamos com uma misteriosa figura mascarada que se diverte, até à mais completa exaustão, num salão de dança; noutra seguimos as atribulações desconcertantes, à beira do burlesco, das mulheres de um bordel que vão ao campo assistir à primeira comunhão da sobrinha da sua patroa; enfim, na derradeira história acompanhamos a relação de um pintor com a sua modelo, um processo afectivo em que a felicidade parece conter as premissas da tragédia.
A “chave” de tudo isto está, obviamente, no título. Ophüls encena o prazer, sugerindo a sua dimensão mais carnal, ao mesmo tempo que não exclui as atribulações morais com que os humanos o encaram, avaliam ou encenam. Este é um objecto exemplar de um cinema que acreditava na psicologia, ao mesmo tempo que discutia incessantemente as suas certezas. Isto sem esquecer que encontramos aqui uma galeria de actores de um cinema francês que tinha (também) o seu “star system” — entre eles, estão Jean Gabin, Danielle Darrieux, Simone Simon e Madeleine Renaud. Tempos outros, reposições do nosso presente.