Com a morte de Robby Müller, desaparece um dos grandes mestres contemporâneos da luz (e da cor) no cinema — este obituário foi publicado no Diário de Notícias (5 Julho), com o título 'Morreu a luz que vinha de Robby Müller'.
De nacionalidade holandesa, nascido nas Antilhas, Robby Müller, mestre absoluto das imagens cinematográficas, faleceu no dia 4 de Julho, em Amsterdão — contava 78 anos.
Escrever o seu obituário quase poderia ser estabelecer uma singela e muito longa lista de títulos em que desempenhou as funções de director de fotografia. Por exemplo: Noites de Singapura (Peter Bogdanovich, 1979), Paris, Texas (Wim Wenders, 1984), O Comboio Mistério (Jim Jarmusch, 1989) Ondas de Paixão (Lars von Trier, 1996), 24 Hour Party People (Michael Winterbottom, 2002)...
Como todos os grandes criadores de imagens cinematográficas, Müller, especialmente ágil na manipualção da luz natural, soube adaptar-se às singularidades expressivas dos cineasta com que colaborou. E não será exagerado considerar que a subtileza visual do universo de Wenders passou muito pelo seu trabalho. Foi sobretudo com ele, de facto, no contexto do Novo Cinema alemão, que se afirmou através de admiráveis exercícios a preto e branco — Alice nas Cidades (1974) e Ao Correr do Tempo (1976) são casos modelares — ou explorando uma paleta de cores capaz de reinventar as atmosferas sombrias do clássico filme “noir” — lembremos o prodigioso e paradoxal negrume de O Amigo Americano (1979).
A partir de certa altura, viveu num permanente ziguezague entre produções europeias e americanas. Encontramos o seu nome em títulos tão diversos como A Mulher Canhota (1978), em que Peter Handke adaptava o seu próprio livro, Música pelo Caminho (1980), um “on the road” musical realizado por Jerry Schatzberg com Willie Nelson no papel central, Romance em Nova Iorque (1981), sublime reinvenção da clássica comédia romântica, de novo com assinatura de Peter Bogdanovich, Viver e Morrer em Los Angeles (1985), brillhante e muito esquecido policial de William Friedkin, ou Ghost Dog – O Método do Samurai (1999), um thriller metafísico, outra vez com Jim Jarmusch. Wenders e Jarmusch foram, aliás, os cineastas com quem manteve mais regulares relações de trabalho.
Outro repetente na sua filmografia foi o dinamarquês Lars von Trier. Com ele concretizou Dancer in the Dark (2000), protagonizado pela islandesa Björk, projecto em que a fotografia envolvia uma cumplicidade muito física, ora naturalista, ora surreal, com a cenografia e a realização — o filme arrebatou a Palma de Ouro do Festival de Cannes, tendo valido a Müller o prémio de fotografia da Academia de Cinema da Dinamarca [video: Cvalda]. Em 2013, a America Society of Cinematographers, distinguiu-o com um prémio de carreira.
>>> Obituário no jornal The Guardian.