Bruno de Almeida filma o concreto do Cais do Sodré para reencontrar a abstracção de um certo classicismo — este texto foi publicado no Diário de Notícias (31 Maio), com o título 'Nostalgia em 35 mm'.
O filme Cabaret Maxime, de Bruno de Almeida, foi rodado em película de 35mm (com uma admirável direcção fotográfica de Lisa Rinzler). Nestes tempos de adoração beata do digital, digamos que se trata de uma opção com o seu quê de insensato. Na verdade, quase todos os ventos que sopram na indústria tendem a celebrar os formatos digitais como uma espécie de futuro obrigatório, porventura redentor. Claro que a história recente do cinema já contém muitos e fascinantes exemplos de fotografia digital. O que não impede que haja militantes nostálgicos como Bruno de Almeida que não abdicam das potencialidades criativas da película (Martin Scorsese é outro desses militantes, pelo que não parece possível reduzir a questão a uma banal teimosia de alguns perigosos intelectuais).
Cabaret Maxime é, afinal, um filme apaixonado pela matéria — da vibração das superfícies à espessura dos cenários, das rugas do guarda-roupa às texturas infinitamente plurais da pele dos seres humanos. E talvez resida aí a sua essencial “mensagem”. A saber: a possibilidade de regressar a um cinema que não dependa de corpos virtuais, em continuadas transfigurações digitais, um cinema que se interesse pela verdade irredutível da presença humana. Dito de outro modo: um cinema que não esqueceu a paixão que pode envolver o trabalho de um actor ou uma actriz em frente ao olho gelado de uma câmara de filmar.
Talvez por isso, Cabaret Maxime projecta-nos num mapa desconcertante: por um lado, reconhecemos os sinais emblemáticos do Cais do Sodré; por outro lado, tudo acontece numa terra de ninguém, à maneira de um velho filme de “série B” de Hollywood. Será preciso acrescentar que esta é uma fábula sobre a ancestral solidão que acompanha cada homem e cada mulher? E que isso envolve também um obstinado romantismo?