Como divulgar/encenar um pensamento? — este texto foi publicado no Diário de Notícias (26 Maio), com o título 'O professor na televisão'.
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A estreia de O Labirinto da Saudade, de Miguel Gonçalves Mendes, envolve factores que excedem, e muito, as suas singularidades temáticas e narrativas. Isto porque o respectivo lançamento nas salas escuras foi precedido da sua exibição na RTP1, em horário nobre, a 23 de Maio (dia do 95º aniversário de Eduardo Lourenço). Na televisão antes das salas? O mais rudimentar senso comum leva a perguntar se não se estará, assim, a favorecer mais uma forma de enfraquecimento, absurda e masoquista, do próprio mercado cinematográfico. Talvez (mesmo se ninguém defende que este modo de difusão passe a ser uma regra universal).
Acontece que ver O Labirinto da Saudade no pequeno ecrã, às nove da noite, corresponde ao lançamento de um pequeno grão de ternura num território em que, todos os dias, todos os canais de televisão, nos convocam para ler o presente português como um espectáculo deprimente, afogado na interminável repetição de dois temas: os golpes da chicana política e a gritaria da miséria futebolística.
O senso comum, ainda ele, levará a sugerir que estamos, assim, a responsabilizar os jornalistas de todos os nossos males sociais. Pobre senso comum, preso da noção pueril segundo a qual se trata sempre de encontrar “culpados”. O que importa perguntar — não contra o jornalismo, mas em nome da sua nobreza — é se, para além das palavras e olhares ansiosos de jovens repórteres aos empurrões em frente de algum protagonista da política ou do futebol, não temos alguma ideia um pouco menos grosseira para nos relacionarmos com o mundo à nossa volta.
O que está em jogo não é a televisão dos “intelectuais” contra a televisão do “povo”. É, isso sim, saber como vivemos — e queremos viver — através das imagens e dos sons. Por isso, foi comovente ver e ouvir Eduardo Lourenço, ao princípio da noite, a convocar-nos para o rudimentar prazer de pensarmos o que somos ou podemos ser. Parabéns, professor.