sexta-feira, março 09, 2018

"Lady Bird", pequeno grande filme

Saoirse Ronan
Mesmo sem vitórias, foi uma das presenças emblemáticas na noite dos Oscars: Lady Bird simboliza a persistência e a energia criativa de um cinema genuinamente independente — este texto foi publicado no Diário de Notícias (8 Março).

Cinco nomeações para os Oscars e zero vitórias... Será que Lady Bird foi um dos grandes derrotados da cerimónia da Academia de Hollywood? A resposta é claramente negativa. Importa, aliás, superar o pueril espírito “competitivo” que tende a enquadrar este tipo de acontecimentos. Afinal de contas, o que mais conta são os... filmes. Ou não são?
A simples presença de Lady Bird na noite dos Oscars — para mais integrando a prestigiosa lista dos nove nomeados para melhor filme do ano — é uma proeza que vale por si. Desde logo por razões de produção. Mais importante do que as centenas de milhões de dólares dos “blockbusters” de super-heróis, será o facto de Lady Bird constituir um exemplo minimalista das dinâmicas artísticas do cinema americano: com os seus 10 milhões de orçamento (valor muito abaixo da média dos títulos dos grandes estúdios), este é mesmo um exemplo modelar de uma zona de produção que depende, não de sofisticados especiais, mas de uma velha e nobre crença na energia humana dos actores. Neste caso, antes do mais, das actrizes: Saoirse Ronan e Laurie Metcalfe, ambas nomeadas (para actriz e actriz secundária, respectivamente).
Entendamo-nos: não é o baixo custo de Lady Bird que o torna fascinante. Lembrar os seus escassos milhões é apenas uma chamada de atenção para os contrastes internos de Hollywood. Mais do que isso, para a persistência de matrizes dramáticas eminentemente clássicas cuja vitalidade se mantém incólume.
Lady Bird apresenta-se, assim, como a crónica íntima da passagem à idade adulta de Christine (Ronan), em permanente tensão com a mãe (Metcalfe). Por um lado, o filme faz o inventário das mais típicas situações deste género de melodramas (incluindo a emblemática discussão no carro, com a mãe a conduzir); por outro lado, há na sua caracterização das personagens uma subtileza emocional que, em última instância, reforça um tema que contamina todos os momentos do filme: como definir as relações entre gerações para além das regras decorrentes dos próprios valores sociais?
Estamos, enfim, perante um auto-retrato “indirecto” de Greta Gerwig, realizadora e argumentista (nomeada em ambas as categorias). Isto porque tudo se passa em Sacramento, Califórnia, cidade natal da autora: a vibração dos lugares e a sensualidade da luz são mesmo elementos fulcrais das emoções de Lady Bird; e tanto mais quanto esta é também uma história do desejo de sair (para Nova Iorque) sem destruir a memória das origens — pequeno filme, grande cinema.