domingo, março 18, 2018

"Colo" — Portugal, aqui e agora (2/2)

João Pedro Vaz e Alice Albergaria Borges
Ainda há cinema português interessado em... Portugal: Colo, de Teresa Villaverde, é um belo exemplo — este texto foi publicado no Diário de Notícias (13 Março), com o título 'O mundo à nossa volta'.

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Não sei se Teresa Villaverde se reconhece como herdeira do cinema de Michelangelo Antonioni. Nem é importante sabê-lo para admirarmos um objecto como Colo — os filmes valem por si, não pelas referências que mobilizam ou possamos evocar. Em qualquer caso, creio que faz sentido dizer que estamos perante uma narrativa que se inscreve numa longa e muito nobre tradição de um certo cinema “social” europeu que tem em Antonioni uma das suas figuras mais emblemáticas (nomeadamente através de títulos da década de 60 como O Eclipse ou Deserto Vermelho).
O que está em jogo é a possibilidade de dar a ver os lugares mais anónimos ou anódinos da vida social, mostrando como neles, e através deles, se constroem e destroem as nossas identidades. Se quisermos jogar com as palavras, diríamos que se trata de filmar os nossos lugares comuns para além de qualquer lugar-comum.
Daí também o valor fundamental da luz nas ambiências de Colo, aliás trabalhada por um dos grandes directores de fotografia, não apenas da produção portuguesa, mas de todo o cinema europeu: Acácio de Almeida. Que acontece, então? Um sofisticado jogo de equilíbrios: por um lado, trata-se de dar a ver o mundo à nossa volta com a naturalidade de uma paisagem quotidiana que conhecemos e reconhecemos; por outro lado, tudo se decide para além de qualquer naturalismo piedoso em que as personagens seriam banais marionetas do destino. E não deixa de ser interessante que, para falarmos da beleza interior de Colo, deparemos com a ambiguidade dessa tão portuguesa palavra: “destino”. Este é, afinal, um filme contra qualquer determinismo, na certeza de que conhecer um ser humano, aceder à teia das suas emoções, ideias e desejos, envolve uma infinita tarefa de paciência e amor — ainda há quem filme assim.

MICHELANGELO ANTONIONI
O Eclipse (1962) e Deserto Vermelho (1964)