sexta-feira, fevereiro 23, 2018

Clint Eastwood, cineasta realista (2/2)

O novo filme de Clint Eastwood, 15:17 Destino Paris, não foi, estranhamente, mostrado à imprensa — este texto foi publicado no Diário de Notícias (16 Fevereiro), com o título 'A implosão de Hollywood'.

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Tempos estranhos na vida dos filmes. Em vários países — incluindo Portugal, França e Brasil —, o novo filme de Clint Eastwood, 15:17 Destino Paris, não foi previamente mostrado à imprensa. O carácter excepcional desta medida (nas últimas décadas, há muito poucos exemplos semelhantes) justifica que expressemos, no mínimo, uma triste perplexidade. Quanto mais não seja porque a ela se cola uma pergunta incontornável: será que a indústria de Hollywood, cada vez mais marcada pelas formatações impostas pelos filmes de super-heróis, já se dá ao luxo de menosprezar o trabalho de alguém como Clint Eastwood?
Não se trata, entenda-se, de especular sobre as “culpas” dos distribuidores daqueles países: a decisão provém da origem, isto é, dos estúdios da Warner Bros. e nem sequer reflecte qualquer princípio de “globalização” (The New York Times e alguns outros jornais americanos publicaram críticas ao filme antes da respectiva data de estreia nos EUA). Acontece que há qualquer coisa de absurdo quando um tão poderoso sistema industrial opta por não divulgar o trabalho de uma personalidade que marca o último meio século de Hollywood e que, salvo melhor opinião, continua a ser um dos seus ícones mais universais (e também mais rentáveis, vale a pena acrescentar).
Será que um episódio deste género significa que estamos perante uma indústria que já nem sequer sabe valorizar a sua fascinante diversidade interna? Nos últimos anos, algumas vozes têm chamado a atenção para o facto de Hollywood, ao privilegiar os modelos dos “blockbusters” de super-heróis, correr riscos de implosão. Entre tais vozes estão Steven Spielberg, George Lucas, Steven Soderbergh e Jodie Foster. Posso estar enganado, mas não creio que sejam jornalistas ou críticos de cinema.