quarta-feira, janeiro 17, 2018

Para ouvir antes e depois de ver

É um dos filmes de que mais se fala. E com razão... Chama-me Pelo Teu Nome (no original Call Me By Your Name) foi o melhor que vi em 2017 (na Berlinale), tem colhido entusiasmo por onde tem estreado. E esta semana chega aos ecrãs portugueses. Antes de aqui falarmos do filme, fica hoje uma breve nota sobre a banda sonora. Porque é um objeto igualmente precioso, tendo resultado de um trabalho de seleção de gravações e de novas “encomendas” feito pelo próprio Luca Guadagnino e ajudam a definir o espaço, o contexto, as próprias personagens e, acima de tudo, a alma (ou como se poderia dizer em inglês o “feel”) do filme.

O grosso da banda sonora resulta de um processo de seleção de peças de discos já existentes. E aí coexistem as marcas que vincam o lugar e o período em que ação decorre (ou seja, a Itália na primeira metade da década de 80) e o facto de Elio (uma das personagens centrais) tocar piano. Entre a pop e peças clássicas para piano surge assim o corpo maior de um conjunto de temas que ora assinalam o reencontros e descobertas. John Adams, cuja música foi peça determinante na construção quase operática de Eu Sou o Amor, regressa com um excerto de Hallelujah Junction. Peças de Satie, Ravel ou Bach sublinham a presença do piano, que tem aqui em Ryuichi Sakamoto outro nome de referência, com o facto curioso de uma das composições, Germination, ser uma transcrição para piano de um momento da banda sonora de Feliz Natal Mr. Lawrence, de Nagisa Oshima.

A maioria das canções que povoam a banda sonora servem o B.I. de tempo e lugar do filme, com marcas da memória da pop mainstream de então, desde os terrenos europop de Paris Latino (Bandolero) ou da própria música italiana (recuperando nomes como os de Franco Battiato, Lordeana Bertè e Marco Armani) a “êxitos” que fizeram história por aqueles dias como Words de FR David ou Lady Lady Lady, de Giorgio Moroder e Joe Esposito (que surgiu originalmente na banda sonora de Flashdance). Há uma presença indie para vincar uma certa mudança de registo que traduz talvez ecos do percurso da narrativa (e não vou fazer spolier) ao som dos Psychedelic Furs. E, depois, a cereja sobre o bolo com a presença de três temas de Sufjan Stevens. Um deles é uma remistura de Futile Devices (do álbum The Age of Adz). Os outros na verdade são o resultado do desafio que o realizador lançou ao músico. Pediu-lhe um tema... E Sufjan fez dois... Assim nascem Mistery of Love e o belíssimo Visions of Gideon, que juntam não só elementos artística e emocionalmente marcantes ao filme como assinalam novos episódios na obra de um dos grandes músicos do nosso tempo.