domingo, dezembro 03, 2017

Kate Winslet + Idris Elba

O palestiniano Hany Abu-Assad foi aos EUA fazer um filme com Kate Winslet e Idris Elba — este texto foi publicado no Diário de Notícias (30 Novembro), com o título 'Kate Winslet e Idris Elba protagonizam drama “fora de moda"'.

Na sua objectividade, eis uma descoberta cinematográfica que envolve uma inesperada ironia. Assim, Hany Abu-Assad é um cineasta palestiniano (n. 1961) que assinou alguns títulos magníficos sobre a complexidade das relações entre palestinianos e israelitas, com destaque para Paradise Now (2005), título que entrou na história como o primeiro representante da Palestina a obter uma nomeação para o Oscar de melhor filme estrangeiro. Agora, encontramo-lo a dirigir A Montanha entre Nós, objecto tanto mais desconcertante quanto se trata de uma produção tipicamente americana, com chancela de distribuição de um grande estúdio (20th Century Fox).
Dir-se-ia um daqueles filmes de realismo ambíguo, ambiguamente romântico, típico da produção de Hollywood nas décadas de 1930/40, centrado na energia de um par mais ou menos insólito — por exemplo, Claudette Colbert e Clark Gable. Agora, Kate Winslet e Idris Elba interpretam dois desconhecidos que se cruzam na agitação de um aeroporto, enfrentando a mesma urgência: face ao adiamento do seu voo, decidem alugar uma pequena avioneta para chegarem a tempo ao seu destino; têm um acidente e ficam isolados numa zona de altas montanhas cobertas de neve...
Repare-se: referir estas peripécias não contraria o princípio básico segundo o qual um texto deste teor não deve revelar demasiadas peripécias do filme, garantindo ao leitor/espectador a possibilidade de ser ele a descobri-las. De facto, todas estas informações estão no trailer de A Montanha entre Nós, sinal de que o filme opta por se concentrar na dramática experiência de sobrevivência dos protagonistas.
Nesta perspectiva, a imponência da paisagem, muito para além de qualquer efeito banalmente “decorativo”, surge como fundamental elemento dramático — destaca-se, aliás, o magnífico trabalho de imagem de Mandy Walker, directora de fotografia australiana que já trabalhou, por exemplo, com Baz Luhrmann, em Austrália (2008), ou Catherine Hardwicke, em A Rapariga do Capuz Vermelho (2011).
Hany Abu-Assad sabe manter o seu filme num tom de aventura contraditória — o cenário é imponente, quase místico, mas as necessidades imediatas das personagens são as mais básicas — que não abdica de jogar todos os trunfos emocionais deste modelo de narrativa, aliás devidamente sustentados pela competência de Kate Winslet e Idris Elba. O resultado é um filme serenamente atípico, “fora de moda”, escolhendo as leis de uma dramaturgia capaz de dispensar as facilidades dos efeitos especiais, mantendo-se fiel ao misto de grandiosidade e irrisão que pode definir a dimensão humana.